Se ser livre é ser vadia, somos todas vadias. Mas ser negro/a não é ser macaco/a.
Mais um episódio de racismo no futebol
é alvo da indignação de milhares de brasileiros e brasileiras, sobretudo negros
e negras, que se sentiram absurdamente ofendidos com a atitude racista de um
torcedor que jogou uma banana no jogador Daniel Alves durante o jogo do
Barcelona no último domingo.
O racismo é uma ideologia que há
centenas de anos humilha, escraviza, superexplora, subestima, animaliza e mata
o povo negro. No capitalismo, essa opressão é potencializada, porque vivemos em
um sistema que transforma as diferenças em desigualdades e fundamenta a
superexploração do povo negro com teorias absurdas, como a existência de raças
biológicas, e indo além: não só existem raças, como existem “sub-raças” e nós,
negros e negras estaríamos entre elas.
Em tempos de crise econômica, como
vive a Europa, essa ideologia se intensifica, porque os grandes bancos,
empresários e governos precisam arrancar mais direitos da classe trabalhadora e
para isso, dissemina o racismo e outras ideologias para dividir os
trabalhadores. Esse ato discriminatório do torcedor
deve ser punido e a FIFA junto com os governos tem obrigação de criar regras
mais duras sobre os atos de racismo no futebol. Esse esporte é acompanhado por
milhões de expectadores no mundo e tem responsabilidade de combater o ódio
racista.
A reação de Daniel Alves ajudou a
jogar luz no problema do racismo, foi uma reação de indignação. Mas não podemos
restringir a conduta a esses atos de racismo à necessidade de negros e negras
“ignorarem” o ato racista. Ao contrário, isso deve ser denunciado. Não podemos
ter vergonha de denunciar o racismo, precisamos fazer com que os racistas
sintam vergonha de serem preconceituosos e reproduzirem um comportamento e uma
ideologia que mata milhares de negros e negras pelo mundo.
Estamos indignadas com racismo do
torcedor junto com Neymar, mas não somos todos macacos
Milhares de pessoas, com um sentimento sincero de indignação com o racismo também reproduziram a foto. Mas junto com isso, vimos uma justa reação de negros e negras, da quase totalidade dos movimentos de luta contra o racismo de revolta com a associação de negros com macacos e bananas. Essa reação deve-se ao fato de que chamar negros e negras de macacos, uma atitude muito comum e vivida por milhares de negros e negras é a expressão mais usual do que nosso povo sofreu a vida inteira: animalização, a localização em uma condição de “não seres humanos”, uma depreciação, uma inferiorização que humilha e destrói nossa auto-estima, não no sentido de que não nos sentimos bonitos, mas no sentido de que não nos sentimos gente. Isso é muito pesado. É por isso que não concordamos em tirar fotos com a fruta banana, nem dizer que somos todos macacos. Estamos solidárias com Daniel Alves, mas não vamos fazer a mesma campanha do Neymar.
No marco deste debate, muitas mulheres questionaram: mas nós não vamos pra rua dizendo que “somos todas vadias”? Não seria a mesma coisa? É uma dúvida justa e pertinente, mas acreditamos que não seja a mesma coisa. O termo “vadia” surgiu porque um policial deu uma palestra na Universidade de Toronto, no Canadá, dizendo que o motivo dos recorrentes estupros às universitárias era o fato de que elas se vestiam como “vadias” (slut em inglês). Um verdadeiro absurdo esta interpretação e isso gerou toda a indignação já por nós conhecida que culminou com o fenômeno internacional da Marcha das Vadias (SlutWalk = caminhada das vagabundas/vadias). A adesão a este termo se deu porque as mulheres diziam que se ser livre é ser vadia, então somos todas vadias. A marcha e a utilização do termo significavam um grito de liberdade contra as formas de comportamento imposta sobre as mulheres, materializada nas formas de se vestir. As imposições às formas de comportamento fundamentam o que o policial canadense falou, ou seja, culpabilizam as mulheres pelo o que elas sofrem.
Isso tudo é muito diferente do termo macaco, porque em primeiro lugar, ser negro não é ser macaco. Negro é negro e macaco é macaco. Em segundo lugar, como já dissemos, essa associação surgiu para nos animalizar, depreciar e humilhar. Em terceiro lugar, se aderimos essa associação mesmo de forma irônica, não estamos dando um grito de liberdade e rompendo com padrões de comportamento, estamos afirmando que ser negro é ser macaco. Vadia é um julgamento moral, macaco é uma depreciação estética e racial, que condena a forma como nascemos, que nos transforma em “sub-raça”. Não se trata da mesma forma de irônica de encarar o preconceito. Por isso, seguimos dizendo com milhares de mulheres que se ser livre, usar a roupa que quisermos é ser vadia, então somos todas vadias. Mas ser negro não é ser macaco e dizer que somos macacos não é um grito de liberdade.
Por Camila Lisboa - Executiva Nacional do Movimento Mulheres em Luta
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