No mês de março, mês que nos
leva a refletir sobre os direitos das mulheres e buscar que o 8 de março
seja muito mais do que comemorações, flores e bombons, a Coordenadora
Nacional da Auditoria da Dívida Cidadã, Maria Lucia Fattorelli, faz, em
seu novo artigo, uma reflexão de como a dívida pública afeta as mulheres
brasileiras.
Por Maria Lucia Fattorelli Coordenadora Nacional da Auditoria da Dívida Cidadã
As flagrantes injustiças
sociais que vigoram no Brasil afetam toda a sociedade. Apesar de sermos
um dos países mais ricos do mundo – atualmente 7ª maior economia do
planeta – o Brasil amarga inaceitáveis indicadores sociais, tais como:
- Pior distribuição de renda do mundo;
- 79º no ranking de respeito aos Direitos Humanos – IDH – segundo relatório divulgado pela ONU;
- Penúltimo no ranking da Educação (Índice Global de Habilidades Cognitivas e Realizações Educacionais);
- 128° no ranking do crescimento econômico.
A injusta situação social do
país afeta principalmente às mulheres, tendo em vista que o Brasil
possui a quinta maior população mundial, e que as mulheres já são
maioria, constituindo 51% da população nacional.
A pobreza e a inexistência ou
insuficiência de atendimento aos direitos sociais previstos no art. 6o
da Constituição Federal – educação, saúde, alimentação, trabalho,
moradia, lazer, segurança, previdência, proteção à maternidade e à
infância, assistência aos desamparados – atinge fundamentalmente às
mulheres. São elas as primeiras a serem demitidas, e as mais
sacrificadas quando faltam serviços essenciais. A luta por igualdade de
oportunidade de acesso a postos de direção e políticos também tem sido
árdua para as mulheres, embora ocupemos a maioria das vagas nas
universidades brasileiras.
Apesar de existirem políticas
específicas de atendimento aos direitos das mulheres, a destinação de
recursos para tais políticas, por parte do governo federal, tem caído
nos últimos anos. O quadro a seguir compara dados de 2013 e 2014, e
mostra uma queda de quase 20% na destinação de recursos para as ações
referentes a Políticas para Mulheres:
A maioria das ações são referentes ao combate à violência doméstica
devido às disposições da Lei Maria da Penha . Na prática, tal lei tem se
tornado inócua na maior parte do país, devido à inexistência dos instrumentos
essenciais à sua efetividade, especialmente as casas-abrigo e creches. Torna-se
impossível para uma mulher vítima de violência doméstica poderá denunciar seu
agressor/companheiro e retornar para a mesma moradia junto com ele.
Mas as atuais demandas dos movimentos de mulheres vão muito além dessa
questão: exigimos justiça social, conforme direitos consagrados na Constituição
Federal, e dignidade de vida para todas as pessoas.
Temos razões de sobra para essas exigências; não só devido à previsão
constitucional, mas também tendo em vista o fato de contribuímos de forma
decisiva para o financiamento de políticas públicas, por meio da elevada carga
tributária que recai sobre a classe trabalhadora e sobre os mais pobres.
A dura realidade é que apesar de sermos um dos países mais ricos do
mundo e de arcarmos com pesada carga tributária, os direitos sociais previstos
na Constituição Federal não têm sido devidamente proporcionados pelo Estado,
penalizando de forma contundente às mulheres. Diversas razões históricas
explicam esse inaceitável paradoxo, porém, nas últimas décadas, o principal
responsável tem sido o Sistema da Dívida, que a cada ano absorve quantias
exorbitantes para o pagamento de questionáveis obrigações financeiras
vinculadas a dívidas que nunca foram auditadas.
O gráfico a seguir retrata a destinação dos recursos do Orçamento Geral
da União Executado em 2014 e mostra que a dívida pública é a principal responsável
pelo não atendimento das necessidades urgentes do povo brasileiro. O valor
destinado às Políticas para Mulheres em 2014 ficou 8.655 vezes menor que os R$
978 bilhões gastos com juros e amortizações da questionável dívida pública
federal.
Orçamento Geral da União (Executado em 2014) Total
= R$ 2,168 trilhão
O ORÇAMENTO FEDERAL proposto
pelo Executivo para 2015 reserva R$ 1,356 trilhão para os gastos com a
dívida pública, ou seja, 47% de tudo que o país vai arrecadar com
tributos, privatizações e emissão de novos títulos, entre outras rendas.
Este valor representa, por exemplo, 13 vezes os recursos para a saúde,
13 vezes os recursos previstos para educação ou 54 vezes os recursos
para transporte.
Estes dados denunciam a
necessidade de maior envolvimento dos movimentos feministas no controle
dos gastos públicos e no conhecimento do “Sistema da Dívida”, uma
engrenagem que absorve elevados montantes de recursos públicos de forma
contínua, transferindo-os principalmente para o setor financeiro privado
nacional e internacional.
A dívida externa brasileira
supera 549 bilhões de dólares e a dívida interna federal passa de 3,071
trilhões de reais. Há muito tempo o endividamento público deixou de ser
um mecanismo de financiamento do Estado e passou a ser um veículo de
subtração de elevados volumes de recursos orçamentários, e subtração de
patrimônio pela imposição contínua de privatização de áreas estratégicas
como petróleo, portos, aeroportos, estradas, energia, saúde, educação,
comunicações, entre outros.
Por isso lutamos pela
auditoria dessa dívida, conforme previsto na Constituição de 1988 –
violada há 26 anos – para apurar os inúmeros e graves indícios de
ilegalidades, tais como: a aplicação de juros sobre juros (prática
considerada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal); evidências de
conflitos de interesses na definição das taxas de juros, face à
influência direta de agentes do mercado financeiro; relevantes danos ao
patrimônio público em sucessivas negociações da dívida externa e interna
que nunca chegaram a ser auditadas; falta de transparência na
publicação dos juros nominais efetivamente pagos; contabilização de
grande parte dos juros nominais (despesa corrente) como se fossem
amortizações (despesa de capital); violação dos direitos humanos e
sociais, dentre muitos outros crimes já denunciados por comissões do
Congresso Nacional, principalmente durante a CPI da Dívida Pública
realizada em 2009 na Câmara Federal.
Nossa participação
institucional na CPI da Dívida no Brasil e na Comissão de auditoria
oficial da dívida do Equador foram as principais tarefas já
desempenhadas pela Auditoria Cidadã da Dívida. O Equador conseguir
reduzir 70% da dívida externa em títulos, o que possibilitou triplicar
os investimentos sociais. No Brasil, o efetivo resultado virá somente a
partir de efetivo engajamento social. Os movimentos de mulheres têm
importante papel a cumprir também nesta seara. Vamos à luta, amigas.
Participem dos núcleos da Auditoria Cidadã que estão se formando em
diversos estados brasileiros e ajudem na socialização do conhecimento
sobre a realidade financeira do país, transformando esse conhecimento em
ferramenta de luta social.
Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida
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