Silvia Ferraro, da executiva nacional do
Movimento Mulheres em Luta
O dia 28 de setembro é o dia Latino
Americano e Caribenho de luta pela descriminalização e legalização do aborto.
Não por acaso são as mulheres do nosso continente que tiveram que reservar um
dia do calendário para fazer ecoar a voz e o grito de milhares de mulheres que
sofrem, ficam com sequelas ou morrem, vítimas das leis restritivas que são
majoritárias nos países da América Latina e do Caribe.
É a América Latina que tem,
relativamente, o mais alto número de abortos em todo o mundo, além de ser,
depois da África, o continente em que o risco de vida para a mulher é maior.
Comparando com a Europa, em que o risco de representar perigo para a mulher é
de 9% e da América do Norte em que é de -0,5%, entre nós, latino-americanas, o
risco é de 95%.
Estudos da Organização Mundial de
Saúde mostram que são justamente nos países com legislação mais restritiva ao
aborto, onde eles mais acontecem e onde representam mais riscos para as
mulheres. Não por coincidência, também são nos países empobrecidos pela
exploração imperialista, onde a legislação proíbe e onde as mulheres mais
morrem.
Em países em que a legalização é
recente como no Uruguai (2012), as mortes maternas por aborto foram zeradas. A
legalização também permitiu uma diminuição do número de abortos, pois as
mulheres, ao terem acesso ao aborto legal no sistema de saúde, também são
orientadas aos métodos contraceptivos.
Brasil: o que não avança, retrocede...
No Brasil, o aborto continua sendo a
5º causa de morte materna. A cada cinco mulheres, uma já fez aborto. Estima-se
que sejam feitos 1 milhão e 700 mil abortos por ano e que haja cerca de 200 mil
mulheres que ficam com sequelas ou morram.
As mulheres que morrem são as
trabalhadoras, pobres e na sua maioria negras, demonstrando que a lei serve
para criminalizar as mulheres de forma seletiva. “As mulheres que não têm condição e fazem o aborto
clandestino, as pobres, muitas vezes negras, excluídas socialmente, são aquelas
que acabam perdendo o útero, perdendo as capacidades reprodutivas e muitas
vezes, a vida. São aquelas que fazem o procedimento em lugares sem limpeza e
esterilização necessária, acabam com o útero perfurado, entre outras coisas”, é
o que disse o presidente do Conselho Federal de Medicina, que se posicionou
favorável à permissão ao aborto até a 12ª semana de gestação.
Os mais
de 12 anos de governo do PT, sendo quase 5 anos do mandato de uma mulher na
presidência não significou a oportunidade das mulheres trabalhadoras, negras e
pobres brasileiras deixarem de morrer ou de ficarem sequeladas por terem que
amargar esta legislação retrógrada do nosso país. O Brasil poderia ter sido
exemplo, sendo o maior e mais influente país da América Latina que poderia ter
avançado e legalizado o aborto, poupando as vidas de milhares de mulheres, mas
ao invés disso, o governo Dilma resolveu fazer um pacto com a bancada fundamentalista
do Congresso Nacional. Já na sua primeira eleição para presidente em 2010,
Dilma escreveu a “Carta ao povo de Deus”, em que dizia: “Lembro também minha
expectativa de que cabe ao Congresso Nacional a função básica de encontrar o
ponto e equilíbrio nas posições que envolvam valores éticos e fundamentais,
muitas vezes contraditórios, como aborto, formação familiar, uniões estáveis e
outros temas referentes tanto para as minorias como para toda a sociedade
brasileira”. Dilma já entregava todos estes temas ao Congresso, em troca do
apoio dos políticos conservadores durante a campanha eleitoral.
Hoje
vemos as consequências nefastas deste pacto. O Congresso Nacional, dominado por
Eduardo Cunha do PMDB, partido aliado do governo Dilma, hoje coloca em pauta
retrocessos inclusive para a prática do aborto legal. Está tramitando nas
comissões do Congresso o PL 5069/2013, de autoria de Eduardo Cunha, que
restringe o aborto legal e as medidas de profilaxia, como a pílula do dia
seguinte, para as vítimas de estupro. O aborto legal já é difícil de ser
realizado no Brasil. São poucos os hospitais que fazem o procedimento. E agora
Cunha, junto com os deputados reacionários, quer acabar até mesmo com o pouco
que existe.
Engana-se
quem coloca a culpa pelos retrocessos somente em Cunha e no Congresso. Isso não
seria possível se não tivesse existido um governo que tivesse feito um acordo
de coexistência pacífica em todas estas questões. Lula e Dilma fizeram um pacto
para ganhar as eleições e para governar, passando por cima dos direitos das
mulheres, dos negros e negras e dos LGBT’s. Por isso temos um Congresso à
vontade para votar a redução da maioridade penal, o “Estatuto da Família” e os
retrocessos nos direitos reprodutivos das mulheres.
Agora,
com a crise política em que se encontra o governo, Dilma oferece o Ministério
da Saúde ao PMDB, em que o candidato ao posto é Manoel Júnior (PMDB-PB), homem
ligado à Cunha e aos interesses dos planos privados de saúde. Já podemos
imaginar ainda mais ataques à saúde das mulheres. A crise econômica por um lado
e a crise política por outro, são a combinação que está justificando a
dilapidação das poucas conquistas que os movimentos de mulheres conquistaram. A
reforma ministerial vai acabar com a Secretaria de Políticas para Mulheres,
assim como com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, ambas
secretarias, diga-se de passagem, tinham o mais baixo orçamento dos
ministérios. Com o governo Dilma, os direitos das mulheres continuarão sob
ameaças e é por isso que o movimento de mulheres consequente tem que se
postular contra este governo e este congresso.
O silêncio das mulheres...
Sob a
acusação de criminosas, pecadoras, depravadas, irresponsáveis, e um longo etc,
é que as mulheres que recorrem ao aborto ilegal são obrigadas a amargar a
solidão da escolha, muitas vezes em base ao desespero. O perfil das mulheres
que abortam mostra que a maioria são religiosas, católicas (66%) e protestantes
(25%), casadas (64%) e já tem outros filhos (81%). Esta mulher quando é
trabalhadora, pobre e negra, faz a sua escolha se enfrentando com o Estado que
a criminaliza, com a sua própria religião que diz que ela é pecadora, com sua
própria família que a recrimina e com toda a sociedade que lhe diz que ela é a
escória do mundo. Mesmo contra tudo isso, esta mulher faz a escolha de não
querer ter uma gestação e arrisca a sua vida para fazer valer sua decisão. Se
esta mulher tivesse nascido na Alemanha, ela teria o aborto garantido por lei,
feito pelo Estado, com acompanhamento médico e psicológico, mas como ela nasceu
no Brasil e é trabalhadora, pobre e negra, ela pode correr o sério risco de
entrar para as estatísticas de mulheres que morrem por aborto ilegal e
inseguro.
No
Brasil, tão pouco a maternidade é uma escolha para todas as mulheres. Os
serviços de saúde pública país afora mostram ainda dados alarmantes de morte
materna. (62 mortes a cada 100 mil nascimentos). Entre 2009 e 2011, por
exemplo, morreram 1.757 mães brancas e 3.034 mães negras e pardas, 73% a mais.
A desigualdade no Brasil tem raça e classe e são as mulheres trabalhadoras e
negras que tem tido o direito à maternidade negado por falta de condições
mínimas para terem um parto. Depois têm o direito à criação dos filhos também
negado, com um déficit de 10 milhões de vagas em creches no país, números que
vão piorar com o ajuste fiscal de Dilma, que anunciou cortes de 3 bilhões e
meio na educação infantil.
Às
mulheres trabalhadoras é negado o direito de serem tratadas como sujeitos
capazes de escolher terem seus filhos ou não. A elas, o sistema capitalista tem
escolhido a dor, o sofrimento, a solidão, e a morte.
Construir um campo classista das mulheres
trabalhadoras para lutarmos de forma consequente pela legalização do aborto no
Brasil!
Vemos a
maioria dos movimentos feministas lutando contra o Congresso, Cunha e a bancada
fundamentalista, porém poupando o governo Dilma. O maior erro que podemos
cometer na luta pela legalização do aborto é não saber quem são os reais
obstáculos para essa luta. O governo Dilma, que já fez todos os pactos com os conservadores
e agora com o ajuste fiscal está entregando ainda mais, já mostrou que não é
aliado da luta das mulheres, ao contrário, a ilusão em seu governo, é o que
impediu os movimentos feministas de se unirem e avançarem rumo a uma ofensiva
neste tema. Por isso, nós do Movimento Mulheres em Luta, fazemos um chamado
sincero aos movimentos de mulheres e em especial à Marcha Mundial de Mulheres,
para que rompam com o governo Dilma e venham construir um campo classista das
mulheres trabalhadoras, nos colocando categoricamente contra Cunha, Aécio, e
todo o congresso megaconservador, mas também contra Dilma, que para aplicar o
ajuste fiscal, que vai penalizar ainda mais as mulheres trabalhadoras, fará
todo tipo de pacto com Cunha e companhia. É necessária uma organização independente
das mulheres trabalhadoras para lutar de forma consequente pela legalização do
aborto no Brasil!
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