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quinta-feira, 26 de maio de 2016

Da cultura do estupro a violência do Estado. Não nos calaremos! Basta de violência machista!


A notícia de um estupro praticado por 30 homens à uma jovem de 17 anos causou comoção em muitos usuários de redes sociais no Brasil. A menina estava alcoolizada e sob efeito de outras substâncias, ou seja, não tinha condições de reagir a tamanha violência. O sentimento esperado é de indignação e total repúdio a este ato, porém não foi a única reação que vimos repercutir.


Esses homens, não apenas violentaram sexualmente a menor, como expuseram na internet o vídeo de tal episódio e, com isso, fomos bombardeadas (Sim, digo “fomos” porque todas  as mulheres sentiram na pele a dor de cada comentário!) por argumentos dos mais diversos que pactuavam com a situação, que achavam natural o acontecido ou que buscavam justificativa para tamanha violência a partir do comportamento da vítima.



Frases como “Ela usou droga por que quis” ou “Deu bobeira, foi amassada”, ou aquelas argumentações já conhecidas de que “ela não deveria estar naquele lugar, com aquela roupa”, etc. são evidências de quanto o machismo e a violência, sobretudo a sexual, são naturalizados em nossa sociedade, o quanto a responsabilização da vítima é vista como elemento de ponderação para avaliar os casos, o quanto nossa liberdade e poder de decisão são ignorados cotidianamente. Não há nenhuma reflexão, a não ser pelas próprias mulheres, de que esses homens sabiam o que estavam fazendo, não agiram por impulso, não filmaram e divulgaram tais imagens sem saber o que estavam fazendo. Pelo contrário, estavam bastante confortáveis e embasados na ideologia do machismo, na idéia de que as mulheres são objetos sexuais e que podem ser tratadas de qualquer forma. É essa ideologia que faz com que a mãe de um deles afirme que “o filho errou, mas quem o conhece sabe que ele não é assim”, que faz com a imprensa utilize o termo “jovem que supostamente sofreu estupro coletivo” e dê bastante ênfase ao fato dela ser usuária de drogas há cerca de 3 anos.


É preciso dizer as coisas como elas são. Não foi um erro o que aconteceu, foi um crime! Não foi um ato isolado, certamente esses homens já cometeram outros atos de violência contra as mulheres que, podem não ter sido tão bárbaros, mas que com certeza deixaram marcas. Como pode ser um suposto estupro se tem o vídeo postado pelos próprios agressores se vangloriando do feito? Qual a relevância da informação de que ela é usuária de drogas? Por acaso isso diminui a responsabilidade dos estupradores? Não.


Toda essa naturalização e a busca de justificativas fazem com que milhares de mulheres sejam violentadas, todos os dias, no país e no mundo. Quando saem para o trabalho, quando voltam da escola ou quando ficam sozinhas em casa são alvo de agressões e de culpabilização. Somente em São Paulo, a maior cidade do país, a cada 1 hora uma mulher é vítima de estupro. Em pesquisa realizada pelo sindicato de metroviários de São Paulo com usuárias do transporte coletivo, mais de 80% das mulheres relataram já terem sido assediadas nos vagões e estações. Já vimos casos de mulheres que ao irem à delegacia denunciar um caso de abuso, foram vítimas novamente, por parte daqueles que deveriam protegê-las.


Por isso, é muito importante localizar que a responsabilidade por casos como esse, não são apenas daqueles que o cometeram diretamente. A falta de investimento público nas políticas para as mulheres cobram seu preço. Infelizmente no governo da primeira mulher presidente no país tivemos míseros 0,26 centavos investidos por cada vítima da violência machista. Além disso, nossas pautas sofreram também com os acordões entre os governos e a bancada conservadora, como o que impediu a ida dos kit’s anti- homofobia para as escolas em 2011, ou o que fez o governo do PT se calar frente ao PL 5069/13 do Eduardo Cunha e, mais recentemente, a retirada da discussão de gênero do Plano Nacional de Educação que teve reflexo nos planos estaduais e municipais.


Sabemos que o descaso com a pauta das mulheres segue no atual governo Temer/PMDB e que a oposição do PSDB tão pouco tem compromisso com nossos interesses. Por isso, para arrancarmos qualquer conquista é necessário seguirmos intensificando a nossa luta, junto com a classe trabalhadora, derrotando todos os ataques dos governos e da bancada conservadora; impondo a discussão sobre o machismo e todas as formas de opressão nos diversos espaços como brilhantemente têm feito os secundaristas nas ocupações de escola e os trabalhadores em suas greves e mobilizações; realizando manifestações e fazendo repercutir casos como esse estupro coletivo, que passaria isento pela imprensa burguesa.


Muitas de nós já tombaram nas fábricas, nas escolas, nos transportes coletivos, nas ruas escuras. Não deixaremos que sejam esquecidas!É preciso transformar toda nossa indignação em força para lutar, é necessário seguirmos firmes na tarefa de destruir essa sociedade capitalista que reproduz e incentiva o machismo e toda forma de opressão para garantir seus lucros.  


Nenhuma mulher a menos! Nenhuma de nós merece ser estuprada! Não aceitaremos mais nenhuma mulher vitima da violência machista!Punição aos estupradores! 1% do PIB para as políticas de combate a violência contra a mulher! Basta desses governos que oprimem e exploram as mulheres trabalhadoras!


sexta-feira, 13 de maio de 2016

ENFERMAGEM: MULHER, TRABALHADORA EM RESISTÊNCIA À PRECARIZAÇÃO E DESVALORIZAÇÃO DE SEU TRABALHO.

Por Karine Rodrigues, enfermeira e ativista do MML DF


No dia 12 de maio comemoramos o dia internacional da enfermeira e dia 20 o dia da técnica de enfermagem. Durante esse período as trabalhadoras de enfermagem refletem sobre suas perspectivas profissionais, seu papel social, desafios a serem superados e conquistas a serem alcançadas.
Os principais questionamentos que pairam sobre as mentes e corações de todas as enfermeiras, seja ela estudante ou profissional já formado, seja na semana de enfermagem ou em qualquer período de sua vida são: Como alcançar a valorização profissional? Como conquistar as vitórias que a categoria necessita, como às 30h e o piso salarial? Essas duas perguntas tem diferentes respostas, a depender do interesse e de quem a responda.
Existem aqueles que afirmam que a enfermagem não consegue sua valorização por ser uma profissão desunida, majoritariamente feminina, por tanto, baseada em intrigas e inveja, o que nos enfraquece. Outros afirmam que somos apolíticos, não sabemos articular com deputados, ministros e senadores para conseguir nossas vitórias.
Essas duas principais opiniões que polarizam a enfermagem estão completamente equivocadas e são construídas por seres externos à profissão e que durante muito tempo tem contaminado o pensamento de enfermeiras e técnicas de enfermagem, para desarticular nossa luta e impossibilitar nossas conquistas.
Um dos motivos principais para a enfermagem ter em sua história tanta dificuldade em unir forças e lutar por suas melhorias está no fato de nós enfermeiras negarmos o papel social e econômico que desempenhamos, além de fugir de nossas origens. Somos uma profissão majoritariamente feminina, que em uma sociedade construída na ideologia machista naturalmente o que fazemos e produzimos de conhecimento será desvalorizado, menosprezado e subjugado ao conhecimento masculino.
Entender que somos essenciais para o funcionamento de qualquer estabelecimento de saúde, que nosso trabalho tem impacto econômico e social e que quem desempenha esse papel, em sua maioria, são mulheres é fundamental para que a gente entenda quais forças e como vamos construir nossas lutas, para sermos coerente com as nossas vitórias.
É preciso romper com a ideologia construída na idade média que a ciência do cuidar é vocacional ou, melhor, desempenhado por mulheres, ou que a  enfermagem é menos científica ou importante por seu conhecimento estar baseado nos conhecimentos e práticas femininas ou que é necessário dar um caráter masculino a profissão para que sejamos mais valorizadas. Essas ideologias são construídas desde a idade média até os dias atuais, legitimada por nós enfermeiras que achamos digna a ideia de exercer uma vocação, não uma profissão.  Esses pensamentos têm como único objetivo legitimar os nossos baixos salários, as nossas jornadas incansáveis e nossa precária situação de trabalho.
Quem exerce vocação a exerce em qualquer lugar, em qualquer circunstância e em qualquer situação. A vocação pressupõe um dom natural, nasce ou não com ela, nega a capacidade e a possibilidade de aprender determinada tarefa ou trabalho, nega a possibilidade da escolha, pois quem tem vocação é chamado para exercer aquela profissão, negando a autonomia de escolha de milhões de mulheres que exercem a enfermagem por terem escolhido o trabalho que estão exercendo. Quem exerce uma vocação não necessita ser remunerada ou sua remuneração pode ser somente um agrado, pois o exercício da vocação é algo natural e voluntarioso e receber por algo que você nasceu para fazer é algo errado, já imaginou uma santa, uma anja ou uma freira recebendo pelo seu trabalho exercido, pelo dom natural que Deus lhe concedeu?
Não podemos negar nossa história, mas precisamos afirmar que é necessário superar os alicerces ideológicos que fazem a enfermagem ser submissa, desvalorizada e subjugada a um conhecimento que em nossa sociedade é mais valorizado do que o nosso.
O conhecimento da enfermagem foi construído por religiosas, prostitutas, bruxas, mulheres, parteiras, curandeiras, benzedeiras, cientistas e lutadoras. Esse conhecimento não é menor por ter sido construído por essas mulheres, muito pelo contrário, essas mulheres com os limites impostos em suas épocas resistiram e tiveram coragem em desafiar a ordem de seu tempo, mas essa história foi superada e é necessário construirmos uma enfermagem de mulheres e homens, baseada em conhecimento social, humano e científico, na luta organizada de nós por nos mesmas e por aqueles que nos apoiam e reforçam nosso trabalho e nossa profissão. É necessário construir o protagonismo feminino dento da enfermagem, o masculino já é naturalmente construído em nossa sociedade, mas precisamos ganhar esses homens que compõem a enfermagem para a nossa luta, para a nossa valorização, pois só vamos arrancar dos empresários da saúde e dos governos dos Estados as nossas conquistas em unidade entre homens e mulheres, trabalhadoras e trabalhadores da enfermagem saindo em luta e resistindo a precarização de nosso trabalho e a desvalorização de nossa profissão.
OBS: tivemos o cuidado de construir esse texto com artigos no feminino, pois a enfermagem é uma categoria profissional composta por 90% de mulheres.