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domingo, 23 de julho de 2017

MULHERES NEGRAS E RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA

O Movimento Mulheres em Luta realizou, nos dias 23 e 24 de Julho de 2016 o Seminário Nacional "Mulheres pretas têm história". Como parte dessa importante experiência, publicaremos alguns artigos referentes as palestras ministradas na ocasião. Iniciamos com o artigo da Profª Maria de Lourdes Siqueira.  

                                                                                    Maria de Lourdes Siqueira é Antropóloga, Professora aposentada da UFBA e diretora da Associação cultural Bloco AFRO ILÊ AYÊ



Saúdo a todas as pessoas aqui presente especialmente as organizadoras deste Encontro Nacional de Mulheres.

Gosto de agradecer porque reconheço que um convite dessa natureza é uma especial distinção ,que alegra o coração, fortalece a vontade de continuar a luta ,e sobretudo apontam para a responsabilidade e o compromisso e engajamento com os propósitos que assumimos neste momento entre o movimento de mulheres ,mulheres negras ,quilombolas ,ribeirinhas ,mulheres marginalizadas, quebradeiras de côco, trabalhadoras domesticas LGBTS , e nós todas juntas ,gênero ,raça ,identidade ,resistência ,organização .

Renovo, portanto, meus agradecimentos pela delicadeza do convite, que me traz da minha terra, o Maranhão a este outro lado do País, através de minha conterrânea, a militante DOUTORANDA CLAUDICEA DURANS.

E uma honra, uma alegria e um compromisso para mim estar aqui
Gosto de agradecer porque a disciplina que pratico, a Antropologia, nos ensina que o dom, a dadiva, a  reciprocidade constituem parte significatica dos valores que nos foram legados por civilizações tradicionais para além da suposta hegemonia ocidental

HISTÓRIA

Uma das nossas maiores referencias esta na nossa ANCESTRALIDADE. Somos portadoras de um processo histórico, que para nós mulheres negras, tem suas origens ,suas raízes no CONTINENTE AFRICANO ,BERÇO CIVILIZATÓRIO DA HUMANIDADE –hoje uma afirmação INCONTESTÁVEL. 

GÊNERO

Estamos testemunhando que todo o processo que vem se construindo ,a partir da decisão, junto ,e a partir do movimento,  que era preciso pensar ,lutar, construir uma nova concepção de ser mulher ,sendo negra ,herdeira das civilizações tradicionais africanas e do legado-pensamento-lutas que vêm de LUIZA MATTIN, DANDARA, ACOTINERE, MÃE KALÁ, IYADETÁ, IYANASSÔ, MÃE ANDREZZA, MÃE DUDU, MAE MENINHADO GANTOIS,HOJE MAE ESTEKA DE OXOSSI, ODÉ KAIODÊ, entre outras mulheres que utaram/afirmando que a nossa realidade, exige um novo pacto civilizatório  uma politica do BEM VIVER .

RAÇA

A afirmação de nossa IDENTIDADE NEGRA, com consciência Crítica, consciência negra são caminhos seguros para a definição do porque esta luta vale a pena, porque esta luta racial, que todas nos comprometem não somente é só nossa não é só das mulheres negras, e para o BEM VIVER, de toda a SOCIEDADE BRASILEIRA, que precisa do legado de valores AFRICANOS e das organizações AFRO-BRASILEIRAS.
A nossa sociedade que se humaniza que se transforma para melhor se ela compreender, que as desigualdades, as discriminações, as mais diversas expressões do racismo, são razão de ser, e precisam ser combatidas, em todos os níveis, precisam ser desconstruídas.

IDENTIDADE

E a segurança de nossas raízes, é sentir-se NEGRA, PRETA, descentes de famílias de origens africana, o conviver com as mais diversas expressões de NEGRITUDE, com a naturalidade, de quem tem ORGULHO DO SEU PERTENCIMENTO RACIAL NEGRO, sendo africanas, AFRO-BRASILEIRAS.

RESISTÊNCIA

As mulheres africanas, e suas descentes negras, nascidas no Brasil, são PROTAGONISTAS DA RESISTÊNCIA NEGRA BRASILEIRA, que tem seus primórdios desde que aqui desembarcarão, pelo processo de escravização, desagregação, familiar, desestruturação de sociedade, grupos étnicos ,lugares de  pertencimentos no continente  Africano.
É nesse contexto do sistema colonial escravista, que mulheres negras do seu tempo, vão criando os mais diversos processos de busca de liberdade, de agrupando de busca e reencontro com suas raízes, suas origens ,sua historia ,sua raça e suas tradições e formas de organização

ORGANIZAÇÃO

As organização tradicionais e contemporâneas dá resistência por libertação da pessoa negra.
São as Irmandades Religiosas Negras, que tem por objetivo as mais diversos formas de cuidar de mulheres ,de famílias dos grupos familiares  de escravizados e escravizados libertos dos cativeiros.
Os terreiros de Candomblé se organizam em chamadas de Nações: Jejê, Yourubá , Nagô ou Ketu: Mina; Angola; Ansante.
Esses terreiros, vão se multiplicando, se articulando, com outras organizações raciais, de onde nascem expressões religiosas, que mesclam princípios mitológicas e rituais, entre descendentes africanos e descendentes dos povos INDÍGINAS, originários da terra. É assim que nascem Terreiros de Umbanda-mescla de africanos, indígenas e Kardecistas.
Convivendo com outras denominações religiosas: TERECÔ DE CODÓ, MATA DE CODÒ, TAMBOR, TAMBOR DE MINA, JUREMA.
As organizações de mulheres Negras contemporâneas, estão hoje e agrupadas em múltiplas sociedades, entidades representações, sempre estruturadas, conhecidas alinhadas á princípios do movimento negro brasileiro e da ancestralidade africana e suas reelaborações, reinvenções, que no dia a dia da sociedade se multiplicam no país inteiro.
As lutas das mulheres negras esturram-se sobretudo na busca de direitos á educação, a saúde   contra a violência e pelo direito á sua orientação sexual, associa-se ás lutas LGBT entre tantas outras lutas por liberdade.
Mulheres pretas tem história, gênero, raça, identidade, resistência, organização por uma sociedade mais justa, mais solidaria e sobretudo igualitária.
Nossa referencia maior são as tradicionais civilizações africanas, nossa busca maior é que o mundo redescubra que existem outras civilizações, que o mundo compartilhe conosco o sentido da descoberta de que a África é o berço da humanidade
Para o continente africano, com suas múltiplas línguas, culturais, religiões a vida parte de uma totalidade que constituem as comunidades e a sociedade.

MULHER E RELIGIÃO DE MATRIZ AFRICANA

A categoria gênero tem por natureza uma profunda articulação com todas s áreas da vida –a referencia central é a própria origem –vem de uma cultura, de uma civilização- de um gruo étnico do qual vem a mãe que cuida –que desde cedo a concepção -o cimento-o aleitamento- 1º sonho a apresentação á sociedade- a escolha do nome – os processos iniciativos – as etapas do crescimento – a vida adulta – em suas diferentes fases.
E esses caminhos, essa cronologia, que é seguida pela mulher de terreiro no seu axé NA FORMAÇÃO DA Família de Santo.
A base de toda a resistência regra brasileira, que se constrói a partir das lutas por liberdade, contra o sistema colonial-escravagista, são estruturas politico-sociais-religiosas.
 As irmandades religiosas negras; os terreiros de candomblé; as congadas; os maracutus; os afroxés; a capoeira; os blocos afros – todos têm uma referencia, uma sabedoria, um conhecimento que direta ou indiretamente se estrutura sobre princípios de religiões de matriz africana – entre mitologias e rituais. Seja gêge; mina; yorubá; nagô ou ketu; angola; Moçambique e suas reelaborações nas diásporas.
O Terecô de Codó por exemplo: a mata de Codó: a jurema: as meselas que articulam elementos de religiosidade que aqui no Brasil, se articulam, se justapõem, recriam novos formatos, novas linguagens, novos rituais, novas formulas encantatórias. Daí surgem os encantos, as figuras místicas nacionais, regionais, locais, as rainhas, as princesas.
E a partir de uma formação estruturada sobre conhecimentos, da religiosidade africana, historicamente datada e situada, que a mulher de terreiro se relaciona com a sociedade, incorporado conhecimento que são passados de geração em geração, de mães para filhas.
Essa dimensão religiosa africana é entendida na perspectiva de valores para crescer, para acompanhar e orientar o caminho da comunidade a qual pertence.
A religião numa perspectiva denominada que acompanha todas as dimensões da vida da pessoa. É um processo de aprendizagem. É uma pedagogia própria um sistema de crenças, que partem da mitologia africana, vivenciada através de rituais.
Há uma identidade que vai se construindo entre pessoa e a entidade religiosa a qual ela pertence. Nesse processo vai se definindo o tempo de pertencimento á religião com as etapas de formação que o terreiro oferece através das vivências e lições da hierarquia.
As entidades tem nomes diferentes segundo o grupo étnico, a origem, ou lugar da África de onde vêm, que pode ser do Berim, da Nigeria, De Angola, de Moçambique. Para o povo Yorubá também chamados de NAGÔ ou povo KETU são os orixás que realizam a ligação ente o Deus Supremo e os seres humanos.
Para o povo JÊJE são os VODUNS; para o povo de Angola são INQUINCES.
Cada uma dessas entidades, por sua vez, corresponde a um elemento da natureza, a uma área ou domínio que constitui a vida em sociedade.
Cada pessoa tem seu orixá, ou seu vodum, ou seu inquince. É pelo oraculo de IFÁ que a pessoa sabe qual é a entidade á qual sua cabeça pertence.

Como se pode saber qual entidade a pessoa pertence?

Ela vai em uma casa, que se denomina TERREIRO, IlÊ, Axé, Roça, Casa de Santo. encontrar-se com a Mãe de Santo que em Yorubá se chama IYALORIXÁ ou Pai de Santo –BABALORIXÁ , esse encontro é um ponto de partida para definir o ponto do engajamento que lhe corresponde na religião.
Todo processo se inicia ai-nessa procura. Desde que a pessoa sente a necessidade de buscar um pertencimento religioso, ela passa a ter alguém que cuida dela, que zela por ela, sem sair da dinâmica de sua vida pessoal, social e politica.
O ponto de partida que leva as pessoas a buscarem uma casa de matriz africana, uma comunidade tradicional, normalmente são motivos relacionados á: descendência, herança familiar; a saúde; necessidade de cura; a busca de trabalho; de condições materiais de vida; por questões afetivas.
A grande maioria das pessoas que constituem caso de santo, ilês, axés ou terreiros de matriz africana, são mulheres e em sua grande maioria, tradicionalmente mulheres negras, que seguem uma linha de aprendizagem orientada por fundamentos e saberes da ancestralidade africana.
As mulheres seguem uma linha de aprendizagem, que desde os tempos mais remotos, vem da ancestralidade africana.
Esses saberes asseguram a prestação de serviços na área da espiritualidade em diversos setores , cura ,oriente e reorienta destinos, por exemplo , através da ciência da adivinhação ,pelo jogo de Ilê ; cura do corpo e da alma; através do conhecimento das plantas e raízes; realiza processos de formação da pessoa , através dos rituais de iniciação da pessoa, e o obrigações  que se prolongam pela vida inteira, entre diversas etapas de aprofundamento dos conhecimentos que, e são repassados de geração em que confirmam pertencimento, compromisso e conhecimento.
Uma mulher de terreiro de axé ,é uma mulher Que SABE:1 conhece a mitologia africana e afro-brasileira 2 conhece rituais que concretizam a mitologia 3 conhece as linguagens rituais 4 constroem os processos de formação , a partir das traduções dos Orixás , vuduns, inquinces, e das religiões que aqui no Brasil , recriam os caboclos, os encantados, os personagens mitológicos, que vão constituindo outras religiões , outras denominações, sem perder de vista alguns elementos, algumas dimensões da matriz africana.
A umbanda, por exemplo, reúne segmentos culturais e religiosos de base ocidental e oriental, entre matriz europeias , africanas e indígenas .

Uma palavra sobre os orixás femininos:
·       
           YEMANJA- rainha do mar, a ame dos todos
·         NANÃ- a mais velho de todos os orixás, responsável pelo equilíbrio da alma
·         OXUM- a mãe das aguas doces, aquela que reina sobre os rios, lagos, lagoas, córregos, tem o dono de proteger a fecundidade, a geração da vida.
·         YANSÃ- a mãe que tem a força abre as tempestades, os ventos. Mulher que te o domínio sobrea relação com os antepassados, ela abre caminhos entre esta e outra dimensão da vida.
·         EUÁ- orixá feminino ligada aos campos, a agricultura
·         OBÁ-  mulher de inteligência, de saberes, de litas, de resistência.

A mitologia de cada orixá apresenta símbolos, objetos rituais, cores, gastronomia, cantos, danças, formulas encantatórias, articulações entre rituais dos outros orixás.



CONCLUINDO

Se conseguíssemos apresentar um quadro de referencia para dar uma ideia simplificada da religião dos orixás, partiríamos da ideia de um SER SUPREMO, que se comunica com os seres humanos através dos intermediários que representam:
1.      Os elementos fundamentais da natureza

  •     A Água
  •       O fogo
  •       O vento
  •       As folhas e raízes
  •      O trovão 
  •      Os raios  
  •      As tempestades



2.      E os Dons que curam, protegem, orientam, facilitam a vida do ser humano
  •      O dom da cura- por exemplo nas áreas das terapias, com folhas, raízes logo garantem uma atuação na área da sude.
  •        O dom de contribuir para o equilíbrio a alma, por forças espirituais, eu animam a vida. Essas forças não alienam, não retiram a pessoa,a consciência crítica, a consciência da necessidade de viver com dignidade om autoestima.
  •   O dom da competência para gerar riquezas pelo trabalho ,pela intelectualidade ,pela criatividade e pela fé.


A mulher, com sua descendência africana é inseparável das dimensões sócio-politico-cultural e religiosas que a constituem.





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