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terça-feira, 9 de abril de 2013

Estupro de jovem americana no Rio de Janeiro deve abrir os olhos sobre a situação de violência às mulheres no Brasil e no mundo


Na última semana ganhou grande repercussão o caso da jovem americana que foi estuprada dentro de uma van no Rio de Janeiro. Entre expressões de horror e choque, não só o Brasil, mas todo o mundo, noticiou o ocorrido. A moça viveu momentos de terror durante cerca de seis horas – tempo em que permaneceu sob a violência dos criminosos. Enquanto seu namorado, que estava com ela na van, foi algemado e espancado com uma chave de roda. Em situações como essa, em que até a Polícia carioca, conhecida pelos Movimentos Sociais pela sua falta de sensibilidade, declara ter ficado abalada — “Nós mesmos, que somos da área de segurança e estamos acostumados a ouvir, nos surpreendemos” — é preciso aproveitar a comoção para fazer um debate claro sobre a segurança das mulheres, diariamente ameaçada pelo machismo, no Brasil e no mundo.

O primeiro ponto a ser debatido é a ordinariedade do tema. Ou seja, casos como esse ocorrem a toda hora, ou esse foi um episodio isolado? De acordo com o titular da Deat, Alexandre Braga o fato é incomum. "É um ponto fora da curva, algo que não costuma acontecer no Rio de Janeiro. Foi algo abominável, mas não é rotineiro. É importante que se saliente isso".  Porém, de acordo com os dados de violência do Estado do Rio de Janeiro o estupro é mais comum do que nós podemos imaginar. O número de estupros no Estado cresceu 23,8% em 2012 em relação a 2011. De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão responsável por pesquisas em segurança e análise criminal no Rio de Janeiro, em 2012 foram registrados no Estado 6.029 casos, contra 4917 em 2011. O número representa uma média de 16 estupros por dia em 2012.

Ainda sobre isso há quem diga que o salto no número de estupros registrado no ano pode estar relacionado a um crescimento no número de pessoas que denunciam este tipo de violência. Além de não existir nada que comprove essa tese, é importante neste momento contrastar os dados de violência contra a mulher com os dados mais gerais de violência no Estado. O balanço do ISP aponta que o Estado teve aumento nos principais índices de violência — como homicídios e latrocínios — em fevereiro deste ano, em comparação ao mesmo período de 2011. Se os índices de violência aumentaram como um todo, por que os índices de violência contra as mulheres, setor oprimido, que comprovadamente ganha menos e é mais vulnerável por conta do machismo, teria diminuído?

O Machismo cria na sociedade um fenômeno de desvalorização da mulher. Temos uma ideologia que transforma as diferenças em desigualdades, de forma que estas sejam utilizadas para beneficiar um determinado grupo em relação a outro. Neste caso, subordinar as mulheres aos homens. Na mídia vemos, a todo momento, isso ser colocado de maneira simbólica, no mais simples comercial de cerveja, quando comparamos a mulher a um objeto. Se a mulher é ‘coisificada’, e como uma cerveja, pode ter preço, por que não dispor dela do jeito que melhor prover ao homem? No estupro vemos a face mais bárbara da subordinação da mulher.

Essa ideologia, que vitimou uma jovem turista de 24 anos, como vimos acima, vitima 16 mulheres por dia no Rio de Janeiro. E isso não acontece só no Brasil. Na Índia tivemos um caso semelhante quando uma jovem universitária de 23 anos foi abusada em um ônibus em movimento por seis homens e isso acabou fazendo com que a violência sexual — assunto muito pouco abordado na sociedade indiana e na brasileira também — viesse à tona. Após o ataque em 16 de Dezembro, que resultou na morte da jovem 13 dias depois, milhares de indianos — homens e mulheres — saíram às ruas das cidades de todo o país, fazendo passeatas exigindo que as autoridades tomassem medidas para criar um ambiente seguro para as mulheres e obtendo vitórias parciais, como uma maior comoção social e uma legislação mais rígida.

Duas jovens da mesma idade usando seu garantido e básico direito de ir e vir. Duas jovens violentadas por mais de um homem. Uma em cada canto do mundo. Uma está morta, outra vai levar a dor do machismo por toda a vida. Culturas diferentes e a mesma subordinação, o mesmo risco para as mulheres. Por que isso? Porque o capitalismo, sistema mundial, tem no machismo um de seus principais aliados. No Brasil ou na Índia, o machismo é uma ideologia criada pela sociedade de classes para manter a propriedade privada, servir à dominação e também à exploração. Por isso para garantir nossa segurança é preciso denunciar esse sistema que nos controla, objetifica e mata. E lutar contra ele.

Nesse sentido apesar da jovem indiana não estar mais entre nós e ser para o sistema apenas mais um índice de violência contra a mulher, podemos nos alegrar de ver a mobilização das mulheres na Índia frente ao caso e trazer esta luta para o Brasil, afinal, motivo, infelizmente, nós também temos. É necessária uma política de segurança pública que garanta que as mulheres possam andar livremente; Notadamente as da classe trabalhadora. Se hoje é um risco pegar uma simples van à noite, milhares de mulheres vão seguir se colocando ‘em risco’ todos os dias por que precisam trabalhar e dependem do sistema de transporte alternativo, uma vez que o oficial, além de não apresentar uma grande diferença em questão de segurança (todos se lembram do caso da menina que foi abusada no ônibus ano passado) é insuficiente.

Sabemos que milhares de mulheres todos os dias são abusadas em ônibus, metrôs e trens lotados. Temos que entender que a violência sexual contra a mulher não é só o ato sexual em si, mas toda e qualquer forma de violação do corpo, seja um beijo forçado, ou uma ‘passada de mão’. O Código Penal atual define como estupro qualquer ato libidinoso envolvendo violência ou ameaça, incluindo modalidades como um beijo mais lascivo, apalpadela ou esfregão. Porém na contramão desse entendimento, a proposta de reforma do Código Penal criaria subdivisões para os tipos de agressão. Ataques em ônibus ou trens lotados, que não envolvessem penetração, não mais seriam chamados de estupro, mas de molestação sexual, e teriam uma pena de 2 a 6 anos de prisão, menor que a do estupro.

Percebemos que a violência sexual contra a mulher é diária e não se resume só ao Rio de Janeiro, mas a todo o mundo. Que ela é mais ampla que o caso na jovem america e que as políticas do Governo tanto na área da segurança pública quanto no que diz respeito à legislação não vão de encontro às nossas expectativas. É hora então de seguir o caminho apontando pelas indianas e fazer desse tema uma bandeira diária de mobilização real.

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