Na última semana ganhou grande
repercussão o caso da jovem americana que foi estuprada dentro de uma van no
Rio de Janeiro. Entre expressões de horror e choque, não só o Brasil, mas todo
o mundo, noticiou o ocorrido. A moça viveu momentos de terror durante cerca de
seis horas – tempo em que permaneceu sob a violência dos criminosos. Enquanto
seu namorado, que estava com ela na van, foi algemado e espancado com uma chave
de roda. Em situações como essa, em que até a Polícia carioca, conhecida pelos
Movimentos Sociais pela sua falta de sensibilidade, declara ter ficado abalada — “Nós mesmos, que somos da área de segurança e estamos
acostumados a ouvir, nos surpreendemos” — é
preciso aproveitar a comoção para fazer um debate claro sobre a segurança das
mulheres, diariamente ameaçada pelo machismo, no Brasil e no mundo.
O primeiro ponto a ser debatido é
a ordinariedade do tema. Ou seja, casos como esse ocorrem a toda hora, ou esse
foi um episodio isolado? De acordo com o titular da Deat, Alexandre Braga o
fato é incomum. "É um ponto fora da curva, algo que não costuma acontecer
no Rio de Janeiro. Foi algo abominável, mas não é rotineiro. É importante que
se saliente isso". Porém, de acordo
com os dados de violência do Estado do Rio de Janeiro o estupro é mais comum do
que nós podemos imaginar. O número de estupros no Estado cresceu 23,8% em
2012 em relação a 2011. De acordo com dados do Instituto de Segurança
Pública (ISP), órgão responsável por pesquisas em segurança e análise criminal
no Rio de Janeiro, em 2012 foram registrados no Estado 6.029 casos, contra 4917
em 2011. O número representa uma média de 16 estupros por dia em 2012.
Ainda sobre isso há quem diga que
o salto no número de estupros registrado no ano pode estar relacionado a um
crescimento no número de pessoas que denunciam este tipo de violência. Além de
não existir nada que comprove essa tese, é importante neste momento contrastar
os dados de violência contra a mulher com os dados mais gerais de violência no
Estado. O balanço do ISP aponta que o Estado teve aumento nos principais
índices de violência — como homicídios e latrocínios — em fevereiro deste ano,
em comparação ao mesmo período de 2011. Se os índices de violência aumentaram
como um todo, por que os índices de violência contra as mulheres, setor
oprimido, que comprovadamente ganha menos e é mais vulnerável por conta do
machismo, teria diminuído?
O Machismo cria na
sociedade um fenômeno de desvalorização da mulher. Temos uma ideologia que
transforma as diferenças em desigualdades, de
forma que estas sejam utilizadas para beneficiar um determinado grupo em
relação a outro. Neste caso, subordinar as
mulheres aos homens. Na mídia vemos, a todo momento, isso ser colocado de
maneira simbólica, no mais simples comercial de cerveja, quando comparamos a
mulher a um objeto. Se a mulher é ‘coisificada’, e como uma cerveja, pode ter
preço, por que não dispor dela do jeito que melhor prover ao homem? No estupro
vemos a face mais bárbara da subordinação da mulher.
Essa ideologia, que
vitimou uma jovem turista de 24 anos, como vimos acima, vitima 16 mulheres por
dia no Rio de Janeiro. E isso não acontece só no Brasil. Na Índia tivemos um
caso semelhante quando uma jovem universitária de 23 anos foi abusada em um
ônibus em movimento por seis homens e isso acabou fazendo com que a violência
sexual — assunto muito pouco abordado na sociedade indiana e na brasileira
também — viesse à tona. Após o ataque em 16 de Dezembro, que resultou na morte da jovem 13 dias
depois, milhares de indianos — homens e mulheres — saíram às ruas das cidades de todo o país, fazendo passeatas
exigindo que as autoridades tomassem medidas para criar um ambiente seguro para
as mulheres e obtendo vitórias parciais, como uma maior comoção social e uma
legislação mais rígida.
Duas jovens da
mesma idade usando seu garantido e básico direito de ir e vir. Duas jovens
violentadas por mais de um homem. Uma em cada canto do mundo. Uma está morta,
outra vai levar a dor do machismo por toda a vida. Culturas diferentes e a
mesma subordinação, o mesmo risco para as mulheres. Por que isso? Porque o
capitalismo, sistema mundial, tem no machismo um de seus principais aliados. No
Brasil ou na Índia, o machismo é uma ideologia criada pela sociedade de classes
para manter a propriedade privada, servir à dominação e também à exploração.
Por isso para garantir nossa segurança é preciso denunciar esse sistema que nos
controla, objetifica e mata. E lutar contra ele.
Nesse sentido
apesar da jovem indiana não estar mais entre nós
e ser para o sistema apenas mais um índice de violência contra a mulher,
podemos nos alegrar de ver a mobilização das mulheres
na Índia frente ao caso e trazer esta luta para o Brasil, afinal, motivo,
infelizmente, nós também temos. É necessária uma política de segurança pública
que garanta que as mulheres possam andar livremente; Notadamente as da classe
trabalhadora. Se hoje é um risco pegar uma simples van à noite, milhares de
mulheres vão seguir se colocando ‘em risco’ todos os dias por que precisam
trabalhar e dependem do sistema de transporte alternativo, uma vez que o
oficial, além de não apresentar uma grande diferença em questão de segurança
(todos se lembram do caso da menina que foi abusada no ônibus ano passado) é
insuficiente.
Sabemos que
milhares de mulheres todos os dias são abusadas em ônibus, metrôs e trens
lotados. Temos que entender que a violência sexual contra a mulher não é só o
ato sexual em si, mas toda e qualquer forma de violação do corpo, seja um beijo
forçado, ou uma ‘passada de mão’. O Código Penal atual define como estupro
qualquer ato libidinoso envolvendo violência ou ameaça, incluindo modalidades
como um beijo mais lascivo, apalpadela ou esfregão. Porém na contramão desse
entendimento, a proposta de reforma do Código Penal criaria subdivisões para os
tipos de agressão. Ataques em ônibus ou trens
lotados, que não envolvessem penetração, não mais seriam chamados de estupro,
mas de molestação sexual, e teriam uma pena de 2 a 6 anos de prisão, menor que
a do estupro.
Percebemos que a
violência sexual contra a mulher é diária e não se resume só ao Rio de Janeiro,
mas a todo o mundo. Que ela é mais ampla que o caso na jovem america e que as
políticas do Governo tanto na área da segurança pública quanto no que diz
respeito à legislação não vão de encontro às nossas expectativas. É hora então
de seguir o caminho apontando pelas indianas e
fazer desse tema uma bandeira diária de mobilização real.
Quem é o autor do texto?
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