O Movimento Mulheres em Luta realizou, nos dias 23 e 24 de Julho de 2016 o Seminário Nacional "Mulheres pretas têm história". Como parte dessa importante experiência, publicaremos alguns artigos referentes as palestras ministradas na ocasião. Iniciamos com o artigo da Profª Maria de Lourdes Siqueira.
Maria de Lourdes Siqueira é Antropóloga, Professora aposentada da UFBA e diretora da Associação cultural Bloco AFRO ILÊ AYÊ
Saúdo a todas as
pessoas aqui presente especialmente as organizadoras deste Encontro Nacional de
Mulheres.
Gosto de agradecer
porque reconheço que um convite dessa natureza é uma especial distinção ,que
alegra o coração, fortalece a vontade de continuar a luta ,e sobretudo apontam
para a responsabilidade e o compromisso e engajamento com os propósitos que
assumimos neste momento entre o movimento de mulheres ,mulheres negras
,quilombolas ,ribeirinhas ,mulheres marginalizadas, quebradeiras
de côco, trabalhadoras domesticas LGBTS , e nós todas juntas ,gênero ,raça
,identidade ,resistência ,organização .
Renovo, portanto, meus
agradecimentos pela delicadeza do convite, que me traz da minha terra, o
Maranhão a este outro lado do País, através de minha conterrânea, a militante
DOUTORANDA CLAUDICEA DURANS.
E uma honra, uma
alegria e um compromisso para mim estar aqui
Gosto de agradecer
porque a disciplina que pratico, a Antropologia, nos ensina que o dom, a
dadiva, a reciprocidade constituem parte
significatica dos valores que nos foram legados por civilizações tradicionais
para além da suposta hegemonia ocidental
HISTÓRIA
Uma das nossas maiores
referencias esta na nossa ANCESTRALIDADE. Somos portadoras de um processo
histórico, que para nós mulheres negras, tem suas origens ,suas raízes no
CONTINENTE AFRICANO ,BERÇO CIVILIZATÓRIO DA HUMANIDADE –hoje uma afirmação
INCONTESTÁVEL.
GÊNERO
Estamos testemunhando
que todo o processo que vem se construindo ,a partir da decisão, junto ,e a
partir do movimento, que era preciso
pensar ,lutar, construir uma nova concepção de ser mulher ,sendo negra
,herdeira das civilizações tradicionais africanas e do legado-pensamento-lutas
que vêm de LUIZA MATTIN, DANDARA, ACOTINERE, MÃE KALÁ, IYADETÁ, IYANASSÔ, MÃE
ANDREZZA, MÃE DUDU, MAE MENINHADO GANTOIS,HOJE MAE ESTEKA DE OXOSSI, ODÉ KAIODÊ,
entre outras mulheres que utaram/afirmando que a nossa realidade, exige um novo pacto civilizatório uma politica
do BEM VIVER .
RAÇA
A afirmação de nossa
IDENTIDADE NEGRA, com consciência Crítica,
consciência negra são caminhos
seguros para a definição do porque esta luta vale a pena, porque esta luta racial,
que todas nos comprometem não somente é só nossa não é só das mulheres negras,
e para o BEM VIVER, de toda a SOCIEDADE BRASILEIRA, que precisa do legado de
valores AFRICANOS e das organizações AFRO-BRASILEIRAS.
A nossa sociedade que
se humaniza que se transforma para melhor se ela compreender, que as
desigualdades, as discriminações, as mais diversas expressões do racismo, são
razão de ser, e precisam ser combatidas, em todos os níveis, precisam ser
desconstruídas.
IDENTIDADE
E a segurança de nossas
raízes, é sentir-se NEGRA, PRETA, descentes de famílias de origens africana, o
conviver com as mais diversas expressões de NEGRITUDE, com a naturalidade, de
quem tem ORGULHO DO SEU PERTENCIMENTO RACIAL NEGRO, sendo africanas,
AFRO-BRASILEIRAS.
RESISTÊNCIA
As mulheres africanas,
e suas descentes negras, nascidas no Brasil, são PROTAGONISTAS DA RESISTÊNCIA
NEGRA BRASILEIRA, que tem seus primórdios desde que aqui desembarcarão, pelo
processo de escravização, desagregação, familiar, desestruturação de sociedade,
grupos étnicos ,lugares de
pertencimentos no continente Africano.
É nesse contexto do
sistema colonial escravista, que mulheres negras do seu tempo, vão criando os
mais diversos processos de busca de liberdade, de agrupando de busca e
reencontro com suas raízes, suas origens ,sua historia ,sua raça e suas
tradições e formas de organização
ORGANIZAÇÃO
As organização
tradicionais e contemporâneas dá resistência por libertação da pessoa negra.
São as Irmandades
Religiosas Negras, que tem por objetivo as mais diversos formas de cuidar de
mulheres ,de famílias dos grupos familiares
de escravizados e escravizados libertos dos cativeiros.
Os terreiros de
Candomblé se organizam em chamadas de Nações: Jejê, Yourubá , Nagô ou Ketu:
Mina; Angola; Ansante.
Esses terreiros, vão se
multiplicando, se articulando, com outras organizações raciais, de onde nascem
expressões religiosas, que mesclam princípios mitológicas e rituais, entre
descendentes africanos e descendentes dos povos INDÍGINAS, originários da terra.
É assim que nascem Terreiros de Umbanda-mescla de africanos, indígenas e
Kardecistas.
Convivendo com outras
denominações religiosas: TERECÔ DE CODÓ, MATA DE CODÒ, TAMBOR, TAMBOR DE MINA,
JUREMA.
As organizações de
mulheres Negras contemporâneas, estão hoje e agrupadas em múltiplas sociedades,
entidades representações, sempre estruturadas, conhecidas alinhadas á princípios
do movimento negro brasileiro e da ancestralidade africana e suas reelaborações,
reinvenções, que no dia a dia da sociedade se multiplicam no país inteiro.
As lutas das mulheres
negras esturram-se sobretudo na busca de direitos á educação, a saúde contra a violência e pelo direito á sua
orientação sexual, associa-se ás lutas LGBT entre tantas outras lutas por
liberdade.
Mulheres pretas tem história,
gênero, raça, identidade, resistência, organização por uma sociedade mais justa,
mais solidaria e sobretudo igualitária.
Nossa referencia maior
são as tradicionais civilizações africanas, nossa busca maior é que o mundo
redescubra que existem outras civilizações, que o mundo compartilhe conosco o
sentido da descoberta de que a África é o berço da humanidade
Para o continente africano,
com suas múltiplas línguas, culturais, religiões a vida parte de uma totalidade
que constituem as comunidades e a sociedade.
MULHER E RELIGIÃO DE
MATRIZ AFRICANA
A categoria gênero tem
por natureza uma profunda articulação com todas s áreas da vida –a referencia
central é a própria origem –vem de uma cultura, de uma civilização- de um gruo
étnico do qual vem a mãe que cuida –que desde cedo a concepção -o cimento-o
aleitamento- 1º sonho a apresentação á sociedade- a escolha do nome – os
processos iniciativos – as etapas do crescimento – a vida adulta – em suas
diferentes fases.
E esses caminhos, essa
cronologia, que é seguida pela mulher de terreiro no seu axé NA FORMAÇÃO DA
Família de Santo.
A base de toda a
resistência regra brasileira, que se constrói a partir das lutas por liberdade,
contra o sistema colonial-escravagista, são estruturas politico-sociais-religiosas.
As irmandades religiosas negras; os terreiros
de candomblé; as congadas; os maracutus; os afroxés; a capoeira; os blocos
afros – todos têm uma referencia, uma sabedoria, um conhecimento que direta ou
indiretamente se estrutura sobre princípios de religiões de matriz africana –
entre mitologias e rituais. Seja gêge; mina; yorubá; nagô ou ketu; angola; Moçambique
e suas reelaborações nas diásporas.
O Terecô de Codó por
exemplo: a mata de Codó: a jurema: as meselas que articulam elementos de
religiosidade que aqui no Brasil, se articulam, se justapõem, recriam novos
formatos, novas linguagens, novos rituais, novas formulas encantatórias. Daí
surgem os encantos, as figuras místicas nacionais, regionais, locais, as
rainhas, as princesas.
E a partir de uma
formação estruturada sobre conhecimentos, da religiosidade africana,
historicamente datada e situada, que a mulher de terreiro se relaciona com a
sociedade, incorporado conhecimento que são passados de geração em geração, de
mães para filhas.
Essa dimensão religiosa
africana é entendida na perspectiva de valores para crescer, para acompanhar e
orientar o caminho da comunidade a qual pertence.
A religião numa
perspectiva denominada que acompanha todas as dimensões da vida da pessoa. É um
processo de aprendizagem. É uma pedagogia própria um sistema de crenças, que
partem da mitologia africana, vivenciada através de rituais.
Há uma identidade que
vai se construindo entre pessoa e a entidade religiosa a qual ela pertence.
Nesse processo vai se definindo o tempo de pertencimento á religião com as
etapas de formação que o terreiro oferece através das vivências e lições da
hierarquia.
As entidades tem nomes
diferentes segundo o grupo étnico, a origem, ou lugar da África de onde vêm,
que pode ser do Berim, da Nigeria, De Angola, de Moçambique. Para o povo Yorubá
também chamados de NAGÔ ou povo KETU são os orixás que realizam a ligação ente
o Deus Supremo e os seres humanos.
Para o povo JÊJE são os
VODUNS; para o povo de Angola são INQUINCES.
Cada uma dessas
entidades, por sua vez, corresponde a um elemento da natureza, a uma área ou domínio
que constitui a vida em sociedade.
Cada pessoa tem seu
orixá, ou seu vodum, ou seu inquince. É pelo oraculo de IFÁ que a
pessoa sabe qual é a entidade á qual sua cabeça pertence.
Como
se pode saber qual entidade a pessoa pertence?
Ela vai em uma casa,
que se denomina TERREIRO, IlÊ, Axé, Roça, Casa de Santo. encontrar-se com a Mãe
de Santo que em Yorubá se chama IYALORIXÁ ou Pai de Santo –BABALORIXÁ , esse
encontro é um ponto de partida para definir o ponto do engajamento que lhe
corresponde na religião.
Todo processo se inicia
ai-nessa procura. Desde que a pessoa sente a necessidade de buscar um
pertencimento religioso, ela passa a ter alguém que cuida dela, que zela por
ela, sem sair da dinâmica de sua vida pessoal, social e politica.
O ponto de partida que
leva as pessoas a buscarem uma casa de matriz africana, uma comunidade
tradicional, normalmente são motivos relacionados á: descendência, herança
familiar; a saúde; necessidade de cura; a busca de trabalho; de condições materiais
de vida; por questões afetivas.
A grande maioria das
pessoas que constituem caso de santo, ilês, axés ou terreiros de matriz
africana, são mulheres e em sua grande maioria, tradicionalmente mulheres
negras, que seguem uma linha de aprendizagem orientada por fundamentos e saberes
da ancestralidade africana.
As mulheres seguem uma
linha de aprendizagem, que desde os tempos mais remotos, vem da ancestralidade
africana.
Esses saberes asseguram
a prestação de serviços na área da espiritualidade em diversos setores , cura ,oriente
e reorienta destinos, por exemplo , através da ciência da adivinhação ,pelo
jogo de Ilê ; cura do corpo e da alma; através do conhecimento das plantas e
raízes; realiza processos de formação da pessoa , através dos rituais de
iniciação da pessoa, e o obrigações que
se prolongam pela vida inteira, entre diversas etapas de aprofundamento dos
conhecimentos que, e são repassados de geração em que confirmam pertencimento,
compromisso e conhecimento.
Uma mulher de terreiro
de axé ,é uma mulher Que SABE:1 conhece
a mitologia africana e afro-brasileira 2
conhece rituais que concretizam a mitologia
3 conhece as linguagens rituais 4
constroem os processos de formação , a partir das traduções dos Orixás ,
vuduns, inquinces, e das religiões que aqui no Brasil , recriam os caboclos, os
encantados, os personagens mitológicos, que vão constituindo outras religiões ,
outras denominações, sem perder de vista alguns elementos, algumas dimensões da
matriz africana.
A umbanda, por exemplo,
reúne segmentos culturais e religiosos de base ocidental e oriental, entre matriz
europeias , africanas e indígenas .
Uma
palavra sobre os orixás femininos:
·
YEMANJA- rainha do mar, a ame dos todos
·
NANÃ- a mais velho de todos os orixás,
responsável pelo equilíbrio da alma
·
OXUM- a mãe das aguas doces, aquela que
reina sobre os rios, lagos, lagoas, córregos, tem o dono de proteger a
fecundidade, a geração da vida.
·
YANSÃ- a mãe que tem a força abre as
tempestades, os ventos. Mulher que te o domínio sobrea relação com os
antepassados, ela abre caminhos entre esta e outra dimensão da vida.
·
EUÁ- orixá feminino ligada aos campos, a
agricultura
·
OBÁ-
mulher de inteligência, de saberes, de litas, de resistência.
A
mitologia de cada orixá apresenta símbolos, objetos rituais, cores,
gastronomia, cantos, danças, formulas encantatórias, articulações entre rituais
dos outros orixás.
CONCLUINDO
Se conseguíssemos apresentar um quadro
de referencia para dar uma ideia simplificada da religião dos orixás,
partiríamos da ideia de um SER SUPREMO, que se comunica com os seres humanos
através dos intermediários que representam:
1. Os
elementos fundamentais da natureza
- A Água
- O
fogo
- O
vento
- As
folhas e raízes
- O
trovão
- Os
raios
- As
tempestades
2. E
os Dons que curam, protegem, orientam, facilitam a vida do ser humano
- O
dom da cura- por exemplo nas áreas das terapias, com folhas, raízes logo
garantem uma atuação na área da sude.
- O
dom de contribuir para o equilíbrio a alma, por forças espirituais, eu animam a
vida. Essas forças não alienam, não retiram a pessoa,a consciência crítica, a
consciência da necessidade de viver com dignidade om autoestima.
- O dom da competência para gerar riquezas pelo trabalho ,pela intelectualidade
,pela criatividade e pela fé.
A mulher, com sua
descendência africana é inseparável das dimensões sócio-politico-cultural e
religiosas que a constituem.