Por Renata Conde, do MML Brasilândia/SP
Nas últimas semanas, o país vem se chocando
com o massacre aos índios de etnia guarani-kaiowá. A faísca desse processo foi
o assassinato de um jovem de 24 anos em plena luz do dia. O corpo do jovem foi
carregado pelos próprios indígenas morro acima. No mesmo dia, começaram a haver
balas de fogo e pauladas sobre os índios. A notícia correu e instaurou o pânico
na pequena cidade de Antônio João (8612 habitantes), que acreditava que os
índios se vingariam colocando fogo nas moradias. Tratava-se de uma disseminação
de informação a partir dos proprietários de terra com a intenção de jogar a
população contra os indígenas e de usar o medo para manter um controle sobre a
população.
UM POUCO
DE HISTÓRIA
O Brasil é um dos maiores países em extensão
territorial do mundo. Essa vastidão em terra parece incoerente com as brigas
territoriais que massacram nosso povo desde a criação do Estado brasileiro.
Desde 1500, com a chegada dos portugueses
nesse canto do mundo, do outro lado do mar, a disputa pela terra foi questão.
Os milhões de quilômetros de terra eram insuficientes para a ganância do
colonizador. E os milhares de indígenas eram assustadores para a covardia do
colonizador. Assim, se edificou o que ficou conhecido como Brasil: com
derramamento de sangue de índios e índias.
Entretanto, no sangue dos trabalhadores
brasileiros corre a cultura de solidariedade uns com os outros e a de saber se
defender quando somos atacados. Sim, isso também é herança de índio. Nossos
antepassados resistiram bravamente contra a violência da metrópole. Lutaram,
não entregaram nenhuma terra em troca de espelhos, como aprendemos na escola
(para formar na nossa consciência a ideia de que os índios são burros e
infantis).
Tinham como modo de vida a relação direta com
a natureza para obter seus meios de subsistência e para desenvolver suas
relações subjetivas. Essa forma de viver o mundo apresenta a necessidade de
largas extensões de terra. Isso por que a natureza tem seus ciclos e não
oferece alimento na mesma dinâmica que as prateleiras de supermercado. Desse
modo, é preciso que haja condições para um povo andar para que ele consiga
sobreviver de relações diretas com a natureza.
Em contrapartida a esse modo de vida, se
ergueu desde o princípio em nosso país uma produção baseada nos latifúndios,
isto é, em grandes propriedades agrárias. Nos primeiros séculos, o Brasil era o
país da monocultura exportadora de açúcar. Depois do café. Hoje, de soja. Desse
modo, a produção agrária no Brasil nunca foi voltada para alimentar seu povo
(afinal, quem sobrevive só de açúcar, café ou soja?) e sim somente para gerar
lucros para uma meia dúzia de proprietários (de outras terras!). Como se já não
bastasse isso, esses mesmos proprietários querem lucrar também com a posse de
terras e assim, possuem extensões de terra gigantes sem produzir nada nelas.
Isso para gerar valorização das terras e por que conseguem adquiri-las através
de muita fraude e ilegalidade. Isto é, são donos de terras gigantescas onde não
produzem nada. E os índios que precisam de terra para viver? Esses são
esmagados em um pedaço de terra. O resultado: vivem em situação de miséria.
Um velho comunista, Karl Marx, nos disse: “Um
erro na história é uma tragédia. Só se repete enquanto farsa”. O massacre ao
povo indígena Guarani – kaiowá, que hoje assistimos no Mato Grosso do Sul é a
farsa da repetição da história do nosso país.
MASSACRE
E RESISTÊNCIA
Hoje os Guarani Kaiowá realizam uma ocupação
de 80 fazendas. Vêm sofrendo uma represália absolutamente violenta, vivendo um
verdadeiro estado de guerra civil. O dia-a-dia das famílias indígenas que
resistem é marcado por assassinatos, estupros, perseguições e tortura.
A terra em disputa é a Nande Ru Marangatu, de
9317 hectares. Os índios afirmam que viviam nessa terra desde tempos anteriores
a chegada dos brancos na região. Foram expulsos de lá em 1950, quando a família
Pio Silva chegou ao local. Esta família comprou os lotes do próprio governo do
Mato Grosso do Sul. Isto é, governo e latifundiários foram parceiros na
desalocação dos moradores. Hoje o território é dividido em cinco fazendas de
criação de gado. Desde os anos 1990 os índios reivindicam essas terras para si
novamente. E desde que começaram a lutar por suas reivindicações o conflito se
instaurou.
Em 1950, quando os índios foram expulsos de
suas terras, muitos começaram a trabalhar nas fazendas das quais foram
expulsos. Estes receberam uma pequena parcela de terra, nomeada Vila Campestre.
Em 1990, com as famílias crescendo, essa terra tornava-se insuficiente aos
índios, que decidiram então retomar as terras que lhe haviam sido
expropriadas. O conflito se instaurou.
Segundo dados do jornal El País, nos últimos 13 anos, 2112 índios morreram por
causas evitáveis no estado do MS.
Os índios
sofrem o massacre direto das armas do exército, polícia e fazendeiros, mas,
também o indireto, por não terem lugar para viver, improvisam aldeias na beira
de estradas e sofrem de falta de acesso a alimentação e saúde.
Essa situação é
alarmante e tornou-se insuportável aos guarani-kaiowá que deram início ao maior
processo de ocupação dos últimos tempos. Ocuparam as cinco fazendas da terra
por ele reivindicadas.
O jornal El País descreve a resposta
violenta dos latifundiários: “No sábado
seguinte, dia 29, cerca de sessenta camionetes deixaram a sede do sindicato
rural de Antônio João”. (...) O séquito de camionetes percorreu por cerca de 10
minutos a rodovia, entrou pela estrada de terra e parou em meio a freadas
bruscas, que levantaram poeira, perto da casa principal da fazenda Barra. Foram
recebidos por homens, mulheres, adolescentes e crianças aos gritos, com paus e
arco e flecha nas mãos. Os índios relatam que, depois de alguma discussão, os
homens dispararam tiros para o alto e armas com balas de borracha em direção a
eles – o que os fazendeiros negam. Em meio a uma intensa correria, motos de
indígenas acabaram incendiadas, outra delas foi furada por tiros. Um índio foi
cercado e atacado com um pedaço de pau que abriu sua testa. O confronto se
estendeu para a fazenda Fronteira, logo ao lado. Crianças se perderam. Entre
elas, o filho de Vilhalva. Não demorou muito e o rapaz apareceu morto. A Força
Nacional, uma espécie de tropa de elite do Governo federal formada por
policiais militares de vários estados, demorou uma hora para chegar, afirmam os
índios.
'O
que aconteceu foi um massacre, uma verdadeira guerra', diz uma liderança que
não quis se identificar por medo de vingança. 'Estava com meu neto de um ano no
colo. “Ele foi atingido por balas de borracha e chegou a desmaiar’, conta
Leni, outra das indígenas do movimento”. Assassinaram Vilhalva, a principal
liderança.
O GOVERNO DO PT
ESCOLHEU UM LADO
“São mentiras, mentiras e mentiras. O Governo
está sem credibilidade. A verdade é que, se eles quisessem resolver a questão
já teriam resolvido”, reclama Roseli em entrevista ao jornal El País. O governo
propõe uma mesa de negociação, o que não atende as necessidades indígenas, que
já sentaram para negociar em 2013 e não obtiveram o acordo esperado. Além
disso, a demarcação das terras foi conquistada em 2005, mas, não foi aplicada
até hoje. Portanto, os indígenas estão céticos com o governo e afirmam que
cansaram de esperar.
Além disso, Dilma mantém no ministério da
agricultura, uma eximia representante dos latifundiários brasileiros, Katia
Abreu e ao pactuar a “Agenda Brasil” que é um conjunto de medidas tiradas pelo
governo para responder a crise, também abre a procedência para rever todas as
demarcações de terras indígenas existentes hoje, ou seja, se depender do
governo do PT/PMDB e da oposição burguesa do PSDB, a drama que vivem os Guarani-Kaiowá
se estenderá para outros povos indígenas.
SOMOS TODAS
GUARANI-KAIOWÁ!
É visível então, que os índios demonstram uma força muito grande. Sofrem
represálias das mais violentas, mas, tem consciência de que sua resistência
coloca a luta indígena em um novo patamar. A imagem de que resistem com paus e
arco e flecha contra armas de fogo é ilustrativa para demonstrar a luta de um
povo que não tem nada a perder e opta por morrer lutando do que por morrer como
escravos desses sinhôs de gados.
Impressionante ver como o machismo e a sua face mais nefasta, a
violência sexual contra a mulher, é arma consciente de Pio e seus capangas. Os
estupros são narrados pelos indígenas como um dos ataques que vêm sofrendo. São
utilizados para desmoralizar um povo. Esse ato de barbárie deve ser condenado e
convoca o movimento feminista a se identificar com cada mulher indígena. Mais
do que isso, convoca o movimento feminista é ser também o movimento dessas
mulheres.
Além disso, há outra importante identidade. Os indígenas são um povo
oprimido em nosso país. Foram expropriados de suas terras, mas, também de sua cultura
e história. Foram empurrados à margem de nosso país, sendo violentados,
massacrados e ignorados. Essa
O MML se solidariza com essa luta e se soma à sua resistência compondo a
caravana de trabalhadores e trabalhadoras, tirada do Encontro Nacional de Lutadores,
que vão até o Mato Grosso do Sul prestar seu apoio e solidariedade de classe
aos Guarani-Kaiowá. Além disso, exigimos do governo a demarcação de terras já e
o fim da impunidade para os latifundiários, que respondam pelos crimes de violência
sexual contra as mulheres e assassinatos.