quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Somos todas Guarani – Kaiowá! Basta de genocídio da população indígena

Por Renata Conde, do MML Brasilândia/SP

Nas últimas semanas, o país vem se chocando com o massacre aos índios de etnia guarani-kaiowá. A faísca desse processo foi o assassinato de um jovem de 24 anos em plena luz do dia. O corpo do jovem foi carregado pelos próprios indígenas morro acima. No mesmo dia, começaram a haver balas de fogo e pauladas sobre os índios. A notícia correu e instaurou o pânico na pequena cidade de Antônio João (8612 habitantes), que acreditava que os índios se vingariam colocando fogo nas moradias. Tratava-se de uma disseminação de informação a partir dos proprietários de terra com a intenção de jogar a população contra os indígenas e de usar o medo para manter um controle sobre a população.

UM POUCO DE HISTÓRIA         

O Brasil é um dos maiores países em extensão territorial do mundo. Essa vastidão em terra parece incoerente com as brigas territoriais que massacram nosso povo desde a criação do Estado brasileiro.
Desde 1500, com a chegada dos portugueses nesse canto do mundo, do outro lado do mar, a disputa pela terra foi questão. Os milhões de quilômetros de terra eram insuficientes para a ganância do colonizador. E os milhares de indígenas eram assustadores para a covardia do colonizador. Assim, se edificou o que ficou conhecido como Brasil: com derramamento de sangue de índios e índias.
Entretanto, no sangue dos trabalhadores brasileiros corre a cultura de solidariedade uns com os outros e a de saber se defender quando somos atacados. Sim, isso também é herança de índio. Nossos antepassados resistiram bravamente contra a violência da metrópole. Lutaram, não entregaram nenhuma terra em troca de espelhos, como aprendemos na escola (para formar na nossa consciência a ideia de que os índios são burros e infantis).
Tinham como modo de vida a relação direta com a natureza para obter seus meios de subsistência e para desenvolver suas relações subjetivas. Essa forma de viver o mundo apresenta a necessidade de largas extensões de terra. Isso por que a natureza tem seus ciclos e não oferece alimento na mesma dinâmica que as prateleiras de supermercado. Desse modo, é preciso que haja condições para um povo andar para que ele consiga sobreviver de relações diretas com a natureza.
Em contrapartida a esse modo de vida, se ergueu desde o princípio em nosso país uma produção baseada nos latifúndios, isto é, em grandes propriedades agrárias. Nos primeiros séculos, o Brasil era o país da monocultura exportadora de açúcar. Depois do café. Hoje, de soja. Desse modo, a produção agrária no Brasil nunca foi voltada para alimentar seu povo (afinal, quem sobrevive só de açúcar, café ou soja?) e sim somente para gerar lucros para uma meia dúzia de proprietários (de outras terras!). Como se já não bastasse isso, esses mesmos proprietários querem lucrar também com a posse de terras e assim, possuem extensões de terra gigantes sem produzir nada nelas. Isso para gerar valorização das terras e por que conseguem adquiri-las através de muita fraude e ilegalidade. Isto é, são donos de terras gigantescas onde não produzem nada. E os índios que precisam de terra para viver? Esses são esmagados em um pedaço de terra. O resultado: vivem em situação de miséria.
Um velho comunista, Karl Marx, nos disse: “Um erro na história é uma tragédia. Só se repete enquanto farsa”. O massacre ao povo indígena Guarani – kaiowá, que hoje assistimos no Mato Grosso do Sul é a farsa da repetição da história do nosso país.

MASSACRE E RESISTÊNCIA

Hoje os Guarani Kaiowá realizam uma ocupação de 80 fazendas. Vêm sofrendo uma represália absolutamente violenta, vivendo um verdadeiro estado de guerra civil. O dia-a-dia das famílias indígenas que resistem é marcado por assassinatos, estupros, perseguições e tortura.
A terra em disputa é a Nande Ru Marangatu, de 9317 hectares. Os índios afirmam que viviam nessa terra desde tempos anteriores a chegada dos brancos na região. Foram expulsos de lá em 1950, quando a família Pio Silva chegou ao local. Esta família comprou os lotes do próprio governo do Mato Grosso do Sul. Isto é, governo e latifundiários foram parceiros na desalocação dos moradores. Hoje o território é dividido em cinco fazendas de criação de gado. Desde os anos 1990 os índios reivindicam essas terras para si novamente. E desde que começaram a lutar por suas reivindicações o conflito se instaurou.
Em 1950, quando os índios foram expulsos de suas terras, muitos começaram a trabalhar nas fazendas das quais foram expulsos. Estes receberam uma pequena parcela de terra, nomeada Vila Campestre. Em 1990, com as famílias crescendo, essa terra tornava-se insuficiente aos índios, que decidiram então retomar as terras que lhe haviam sido expropriadas.  O conflito se instaurou. Segundo dados do jornal El País, nos últimos 13 anos, 2112 índios morreram por causas evitáveis no estado do MS.
Os índios sofrem o massacre direto das armas do exército, polícia e fazendeiros, mas, também o indireto, por não terem lugar para viver, improvisam aldeias na beira de estradas e sofrem de falta de acesso a alimentação e saúde.
Essa situação é alarmante e tornou-se insuportável aos guarani-kaiowá que deram início ao maior processo de ocupação dos últimos tempos. Ocuparam as cinco fazendas da terra por ele reivindicadas.
O jornal El País descreve a resposta violenta dos latifundiários: “No sábado seguinte, dia 29, cerca de sessenta camionetes deixaram a sede do sindicato rural de Antônio João”. (...) O séquito de camionetes percorreu por cerca de 10 minutos a rodovia, entrou pela estrada de terra e parou em meio a freadas bruscas, que levantaram poeira, perto da casa principal da fazenda Barra. Foram recebidos por homens, mulheres, adolescentes e crianças aos gritos, com paus e arco e flecha nas mãos. Os índios relatam que, depois de alguma discussão, os homens dispararam tiros para o alto e armas com balas de borracha em direção a eles – o que os fazendeiros negam. Em meio a uma intensa correria, motos de indígenas acabaram incendiadas, outra delas foi furada por tiros. Um índio foi cercado e atacado com um pedaço de pau que abriu sua testa. O confronto se estendeu para a fazenda Fronteira, logo ao lado. Crianças se perderam. Entre elas, o filho de Vilhalva. Não demorou muito e o rapaz apareceu morto. A Força Nacional, uma espécie de tropa de elite do Governo federal formada por policiais militares de vários estados, demorou uma hora para chegar, afirmam os índios.
'O que aconteceu foi um massacre, uma verdadeira guerra', diz uma liderança que não quis se identificar por medo de vingança. 'Estava com meu neto de um ano no colo. “Ele foi atingido por balas de borracha e chegou a desmaiar’, conta Leni, outra das indígenas do movimento”. Assassinaram Vilhalva, a principal liderança.

O GOVERNO DO PT ESCOLHEU UM LADO
“São mentiras, mentiras e mentiras. O Governo está sem credibilidade. A verdade é que, se eles quisessem resolver a questão já teriam resolvido”, reclama Roseli em entrevista ao jornal El País. O governo propõe uma mesa de negociação, o que não atende as necessidades indígenas, que já sentaram para negociar em 2013 e não obtiveram o acordo esperado. Além disso, a demarcação das terras foi conquistada em 2005, mas, não foi aplicada até hoje. Portanto, os indígenas estão céticos com o governo e afirmam que cansaram de esperar.
Além disso, Dilma mantém no ministério da agricultura, uma eximia representante dos latifundiários brasileiros, Katia Abreu e ao pactuar a “Agenda Brasil” que é um conjunto de medidas tiradas pelo governo para responder a crise, também abre a procedência para rever todas as demarcações de terras indígenas existentes hoje, ou seja, se depender do governo do PT/PMDB e da oposição burguesa do PSDB, a drama que vivem os Guarani-Kaiowá se estenderá para outros povos indígenas.    
SOMOS TODAS GUARANI-KAIOWÁ!

É visível então, que os índios demonstram uma força muito grande. Sofrem represálias das mais violentas, mas, tem consciência de que sua resistência coloca a luta indígena em um novo patamar. A imagem de que resistem com paus e arco e flecha contra armas de fogo é ilustrativa para demonstrar a luta de um povo que não tem nada a perder e opta por morrer lutando do que por morrer como escravos desses sinhôs de gados.
Impressionante ver como o machismo e a sua face mais nefasta, a violência sexual contra a mulher, é arma consciente de Pio e seus capangas. Os estupros são narrados pelos indígenas como um dos ataques que vêm sofrendo. São utilizados para desmoralizar um povo. Esse ato de barbárie deve ser condenado e convoca o movimento feminista a se identificar com cada mulher indígena. Mais do que isso, convoca o movimento feminista é ser também o movimento dessas mulheres.
Além disso, há outra importante identidade. Os indígenas são um povo oprimido em nosso país. Foram expropriados de suas terras, mas, também de sua cultura e história. Foram empurrados à margem de nosso país, sendo violentados, massacrados e ignorados. Essa

opressão nos é muito dolorida. No Brasil, uma mulher é estuprada a cada dez segundos. Isso significa que vivemos em um país de opressão, isto é, um país onde a classe dominante utiliza toda a forma de opressão para se manter no poder e humilha e assassina mulheres, negros, lgbtt's, indígenas e imigrantes. A luta dos Guarani-Kaiowá é uma luta de todos nós, pois, de um jeito ou de outro, é a nossa realidade. Nesse sentido, somos todos literalmente, Guarani Kaiowa.
O MML se solidariza com essa luta e se soma à sua resistência compondo a caravana de trabalhadores e trabalhadoras, tirada do Encontro Nacional de Lutadores, que vão até o Mato Grosso do Sul prestar seu apoio e solidariedade de classe aos Guarani-Kaiowá. Além disso, exigimos do governo a demarcação de terras já e o fim da impunidade para os latifundiários, que respondam pelos crimes de violência sexual contra as mulheres e assassinatos.



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