O ano de 2011 assistiu no recente 17 de agosto, milhares de mulheres ocuparem a Esplanada dos Ministérios realizando a 4° Marcha das Margaridas. Este nome homenageia Margarida Alves, lutadora do campo que enfrentou o machismo e a exploração dirigindo muitas lutas e encabeçando a representação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais na direção do sindicato de Alagoa Grande (PB). Assim como muitos outros combatentes, foi assassinada em 1983 pelos usineiros do estado da Paraíba.
A luta de Margarida Alves envolvia o enfrentamento com os enormes lucros dos latifundiários da região e também envolvia o enfrentamento com o machismo, que colocava para as trabalhadoras rurais condições de trabalho e exploração ainda mais severas. Homenagear e resgatar sua tradição de luta tem um significado importante, pois é a constatação de que por um lado, as mulheres trabalhadoras seguem sofrendo as consequências da superexploração capitalista e por outro lado é a constatação de que o caminho das conquistas é o caminho das lutas, da organização classista e feminista.
A 1° Marcha das Margaridas ocorreu em 2000, ou seja, realizada durante o governo FHC, e “teve um forte caráter de denúncia do projeto neoliberal” (site da Marchas das Margaridas 2011). “Grande parte dessas reivindicações voltou a integrar a pauta das marchas seguintes, realizadas nos anos 2003 e 2007 sob o governo Lula, em que foram obtidas maiores conquistas” (idem).
Em 2003, primeiro ano do governo Lula, momento em que uma parte grande dos movimentos sociais estava cheio de expectativas, o lema da Marcha era: “2003 Razões para Marchar, 50 mil mulheres irão reivindicar terra, água, salário mínimo digno, direito à saúde pública com assistência integral, o fim da violência sexista e todas as formas de violência no campo”.
Nos parece que era claro para os setores dirigentes da Marcha das Margaridas que o governo de FHC não atenderia nenhuma demanda das mulheres, afinal, como é apresentado no próprio histórico da Marcha, o projeto neoliberal implementado por FHC promovia às mulheres mais violência no campo de na cidade, piores condições de trabalho, baixos salários, desemprego, etc.
Em 2003, a classe trabalhadora brasileira acreditou que o projeto de Lula era um projeto de mudanças. Boa parte das organizações dos movimentos sociais estimulou essa confiança. Assim, a Marcha das Margaridas expressou essa expectativa e foi para a rua pedir mudanças básicas, mas que não tinham sido atendidas pelo projeto neoliberal.
Em 2007, com 4 anos de experiência com o governo de Lula, a Marcha volta às ruas e segue denunciando a dura situação das trabalhadoras rurais, envoltas a péssimas condições de trabalho, violência machista, baixos salários, etc. Não seria esse o momento de fazer uma reflexão sobre avanços e retrocessos da situação da mulher trabalhadora? Afinal a 2° Marcha havia sido marcada pela expectativa de que havia chegado a hora de acertar as contas com o neoliberalismo.
Neste período, nós do Movimento Mulheres em Luta, estávamos engajadas na construção de uma alternativa de organização classista para a classe trabalhadora brasileira, a antiga Conlutas, agora CSP Conlutas, depois dos processos de unidade garantidos pelo Congresso da Classe Trabalhadora (CONCLAT 2010).
Essa alternativa de organização se orientava pela retomada da tradição de luta da classe trabalhadora brasileira, pois o que assistimos no Brasil sob o governo Lula foi a transformação do neoliberalismo de FHC em um neoliberalismo de conciliação de classes orquestrado por Lula. Isso significa que o projeto responsável pela miséria, desemprego, ausência de políticas sociais passou a ser implementado por um ex-combatente do lado de cá, que assim tornou-se, junto com o partido e a Central que construiu (PT e CUT) um aliado do lado de lá.
Nós sabemos que muitas mulheres que estavam na recente marcha de 2011, junto com mais milhões de trabalhadores brasileiros, não enxergam Lula dessa forma. Ainda mais quando além do próprio PT, boa parte dos movimentos sociais dizem que Lula segue sendo um aliado do povo. Nós respeitamos essa posição, mas discordamos dela e queremos pedir licença para mostrar às mulheres da classe trabalhadora brasileira que Lula não ajudou a melhorar a nossa vida porque seguiu fazendo o que o neoliberalismo defende: dar dinheiro para os patrões e cortar dinheiro das áreas sociais, arrochar os salários, etc.
Por que em 2007 foi necessário marchar fazendo as mesmas reivindicações da marcha de 2003? Por que Lula não atendeu essa demanda das mulheres depois de 4 anos de anos de governo? Muitas organizações dizem que a mudança de qualidade da política de Lula foi a criação da Secretaria de Políticas Especiais para as mulheres. Mas quais foram os impactos da criação dessa secretaria na dura vida das mulheres trabalhadoras brasileiras?
Há quem responda falando de alguns programas que passaram a existir, mas quantas mulheres foram atendidas por eles? Também há quem diga que não é o ideal, mas que aos poucos, as coisas vão mudando. Então, perguntamos, por que foi possível haver uma mudança de qualidade na vida dos empresários e banqueiros, que sob o governo Lula enriqueceram 400% e em relação às mulheres trabalhadoras temos que esperar e ir aos poucos?
Há quem diga que a eleição de uma mulher para presidir o Brasil é, no entanto, a verdadeira prova de que o projeto de Lula, Dilma e PT garantem o avanço e “empoderamento” das mulheres. Vejamos então a Marcha das Margaridas deste ano e vamos refletir juntos sobre o motivo que faz as mulheres irem para as ruas em 2011 e reivindicar em essência as mesmas medidas exigidas em 2000, 2003 e 2007, adendadas com a luta contra projetos como Belo Monte.
É verdade que o Brasil vive um período de crescimento econômico que permite um maior poder aquisitivo aos trabalhadores e abriu mais oportunidades de emprego. Mas isso não ocorre de graça, pois o ritmo de trabalho nas fábricas está cada vez mais intenso e em comparação com o enriquecimento da burguesia brasileira, os banqueiros e empresários, o poder aquisitivo dos trabalhadores e trabalhadoras é quase nada.
Essa situação econômica que parece favorável, na verdade revela que o projeto de Lula, Dilma e PT não está voltado para a melhoria da vida da classe trabalhadora e muito menos da mulher trabalhadora, mas sim ao enriquecimento dos patrões..
2011 também é o ano em que se completa 5 anos da Lei Maria da Penha, que foi aprovada sob o argumento de que mudaria a vida das mulheres brasileiras. O saldo dessa medida revela a incapacidade de a Justiça salvar a vida das mulheres que sofrem com a violência doméstica ao mesmo tempo em que revela que o julgamento moral tem prevalecido na avaliação dos casos. O caso de Elisa Samúdio que foi assassinada pelo ex-goleiro Bruno é uma expressão disso: a denúncia dela não enquadrou-se na Lei Maria da Penha porque ela não era esposa oficial. Isso sem falar no baixíssimo número de delegacias de mulheres que existem pelo país, piorando ainda mais quando saímos dos grande centros.
Os piores retrocessos obtidos em relação à luta pela legalização do aborto ocorreram sob o governo Lula e podem se aprofundar sob o governo de Dilma. Lula assinou o Acordo Brasil Vaticano, que assegura o compromisso de o Brasil não aprovar a legalização do aborto, prática condenável pela Igreja Católica. Durante a disputa eleitoral, Dilma Roussef assinou uma carta em que se comprometia com setores religiosos e abandonava sua posição de defesa da legalização do aborto. Agora, tramita no Congresso Nacional um projeto (elaborado por um deputado do PT) que quer recuar inclusive do direito que as mulheres tem hoje de realizar o aborto em casos de estupro.
Essas informações revelam que precisamos marchar. Marchar e lutar para destruir um sistema que acaba com a vida das mulheres trabalhadoras e da classe trabalhadora de conjunto. Mas também revelam que não podemos marchar em direção ao Palácio do Planalto para abraçar a presidenta. Não basta ser mulher, como Dilma, ou um ex-operário, como Lula. É preciso defender com coerência os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
O Movimento Mulheres em Luta está ao lado da luta das margaridas, trabalhadoras, mães, filhas que transformam seu suor em lucro dos grandes latifundiários, banqueiros e empresários de nosso país. Mas não acreditamos que o caminho é a subserviência aos governos, como quer a direção das organizações que encabeçam a Marcha das Margaridas.
Acreditamos no caminho da luta ao lado da classe trabalhadora. Por isso estivemos em Brasília no dia 24 de agosto, junto à CSP Conlutas, ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), ao Movimento dos trabalhadores sem Teto (MTST), à Intersindical, enfim, às organizações que neste momento se mostram mais coerentes com a defesa da classe trabalhadora e com a luta pelas transformações que nosso país precisa.