sexta-feira, 24 de julho de 2015

Os desafios de ser mulher e negra no Brasil

Por Janys Abreu, do MML/ São José do Rio Preto

O fato de ser mulher e negra condicionou a forma como uma parcela da população brasileira conseguiu se inserir na sociedade no período pós-abolição. Se no período da escravidão o papel fundamental da mulher negra esteve ligado aos afazeres domésticos e à questão sexual, no período pós-abolição uma das primeiras soluções para ela se inserir no mercado de trabalho foi justamente a realização de atividades domésticas, especialmente nas grandes cidades.

Dessa forma, manteve-se um dos papeis que a etapa da escravidão tinha atribuído para a mulher negra: o cuidado para com a família branca da classe dominante. Isto ajudou a configurar a imagem da mulher negra na sociedade pós-abolição até os dias de hoje. No caso, se misturam duas ideologias que a classe dominante usou e ainda usa como instrumentos de controle e de conservação do poder: o machismo e o racismo. O trabalho doméstico e o cuidado dos filhos são atribuídos historicamente ao feminino. Na sociedade escravista, além de ser obrigação das mulheres, essas tarefas eram consideradas servis, portanto indignas das mulheres brancas. Por isso, passavam a ser um dever das escravas negras.

Embora mulheres brancas e negras fossem oprimidas pelo machismo, existia outra opressão que diferenciava e estabelecia hierarquias no papel de cada uma dentro do lar: o racismo. A mulher branca era a patroa, que organizava o trabalho e dizia como ele devia ser feito, enquanto a mulher negra seguia as ordens.

Essa concepção foi arrastada para o período pós-abolição e condicionou a relação entre as mulheres negras e a sociedade. Isso trouxe como consequência que a mulher negra se transformasse, entre finais do século XIX e inícios do XX, no sustento da família negra. Enquanto para o homem negro era muito difícil se inserir no mercado de trabalho, pela concorrência estabelecida com os imigrantes brancos, a mulher negra arrumava emprego com mais facilidade nas tarefas do lar.

Assim, a mulher negra conseguiu se inserir no mercado de trabalho da nova sociedade capitalista, mas sua marginalização se deu, majoritariamente, por meio do enquadramento dentro de uma única atividade assalariada: o trabalho doméstico. Nesse sentido, é importante colocar que nem sempre o trabalho realizado pela mulher negra era remunerado com dinheiro, às vezes ele era “pago” com alojamento e comida (ponto de partida para a desvalorização e a remuneração desigual do trabalho da mulher negra que observamos na sociedade contemporânea).

Essa situação se mantém, de certa forma, até hoje, quando vemos que a maioria das que realizam trabalhos domésticos são mulheres negras. Segundo Santos (2009), “há poucas mulheres negras trabalhando como executivas, médicas, enfermeiras, juízas, dentre outras profissões de destaque; o que se verifica ainda é a grande maioria realizando trabalhos domésticos e recebendo baixos salários”.

Assim, a dupla opressão sofrida pela mulher negra a coloca no mais baixo patamar da pirâmide social, que está organizada, de cima para baixo, da seguinte forma: homem branco, mulher branca, homem negro, mulher negra. Segundo Santos (2009),

No que diz respeito à escolaridade, pesquisa realizada em 2006, revela que entre as mulheres negras com 15 anos ou mais, a taxa de analfabetismo é duas vezes maior que entre as brancas, no que tange ao trabalho doméstico infantil, 75% das trabalhadoras são meninas negras.[...] para as mulheres afro-descentes o mercado reserva as posições menos qualificadas, os piores salários, a informalidade e o desrespeito.

Outra herança que o período da escravidão deixou para a mulher negra livre foi a sensualização da sua imagem. Durante a escravatura a mulher negra servia também como objeto sexual, assim foi se construindo uma imagem sobre a sua sexualidade que a colocava como insaciável, como diferente. Isso era o resultado da violência sexual que sofriam: tinham que estar sempre dispostas para satisfazer as fantasias sexuais do senhor de engenho. Esse estereótipo trouxe como consequência o rebaixamento e o menosprezo da capacidade da mulher negra para realizar tarefas intelectuais. Essa hipersexualização é latente nos dias de hoje em vários espaços, especialmente no carnaval brasileiro, que se mostra para o mundo como uma bunda de mulher negra disponível para o prazer dos visitantes.

Por outro lado, a inserção da mulher negra em uma sociedade que historicamente valorizou o padrão estético e intelectual branco é bem difícil. Perante o predomínio do padrão de beleza da mulher branca e a consequente desvalorização do padrão de beleza negra, a construção da autoestima e da identidade da mulher negra é um processo longo, difícil e dolorido.

           Outro fardo que a escravatura e o período pós-abolição deixaram para a mulher negra no Brasil foi a dificuldade para se relacionar amorosamente, para achar um “par”. A mulher negra é extremamente preterida quando se trata de relacionamentos. Muito se discute hoje no movimento negro sobre a solidão da mulher negra. Em uma sociedade onde o sucesso e o reconhecimento social têm a face branca, a maioria das mulheres solteiras é negra e frases como “é uma questão de gosto”, “ninguém é obrigado a amar ninguém”, “a gente não escolhe quem amar”, escondem a forma como o racismo opera no Brasil. A mídia, com a reprodução de estereótipos, e a escola, com a omissão da história da população negra, constantemente contribuem para reforçar preconceitos racistas. Assim, aprendemos que a beleza é branca, que mulher negra só serve para transar, que ser negro é ruim etc. Então, será que realmente amar é uma questão espontânea? Será que os homens não estão escolhendo quando decidem esconder a moça negra com quem estão se relacionando, e apenas se mostrar a branca? Será que as mulheres negras estão sozinhas à toa? São perguntas para refletirmos sobre as dissimiles formas de opressão que a mulher negra sofre na sociedade brasileira.     

            Por tudo isso, a luta e a consciência de todxs xs que batalhamos por um mundo melhor têm que ser negra, feminista e classista. Só um feminismo que dê conta de representar a pluralidade e respeitar as especificidades das mulheres brasileiras vai contribuir de fato para o fim do machismo e a construção de uma sociedade livre de opressões.  

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Reduzir a maioridade penal é reduzir o futuro de nossos filhos!

Por Renata Conde, do MML SP

Não aprisionem nosso futuro!

É parte da sociedade capitalista, que se ergue sobre os princípios da exploração e da opressão, o encarceramento de jovens dos setores mais oprimidos e pauperizados. O estado brasileiro é linha de frente desse projeto. Nosso país possui a quarta maior população carcerária do mundo. Além disso, o Brasil já foi inclusive apontado pela ONU como um país que faz uso excessivo do encarceramento. A própria ONU aponta também que a polícia brasileira é problemática, pois é violenta, corrupta e preconceituosa. Informações da entrevista do link:http://www.conjur.com.br/…/conselho-onu-critica-numero-exce…

A situação brasileira é visível para todos. A proposta de redução da maioridade penal vai na contramão da necessidade do nosso povo. Reduzir a maioridade penal não reduziria a criminalidade. O site “Pragmatismo Político” expõe as informações: Nos 54 países que reduziram a maioridade penal não se registrou redução da violência. A Espanha e a Alemanha voltaram atrás na decisão de criminalizar menores de 18 anos. Hoje, 70% dos países estabelecem 18 anos como idade penal mínima. O índice de reincidência em nossas prisões é de 70. Já no sistema socioeducativo, o índice de reincidência é de 20%, o que indica que 80% dos menores infratores são recuperados.

Portanto, a redução apenas jogaria nossos jovens nos infernos legalizados das prisões brasileiras. Em relatório publicado pelo jornal “O Estado de São Paulo” revela uma situação de barbárie: “Em sete unidades prisionais do Estado do Rio visitadas no primeiro semestre, a Defensoria Pública encontrou comida estragada, relatos de tortura, superlotação e até um adolescente preso. As observações geraram seis relatórios, que traçam panorama do sistema carcerário do Rio, no qual predominam ‘condições totalmente sub-humanas’, como classificam os defensores. Nas sete prisões visitadas pela Defensoria, havia 8.162 detentos para apenas 5,4 mil vagas.”. Reportagem completa no link:http://m.brasil.estadao.com.br/…/rio-de-janeiro,relatorios-…

Hoje o estado só chega à periferia das grandes cidades, que amontoam os trabalhadores e trabalhadoras, através da violência policial. Não há acesso a transporte, educação, saúde e lazer para o povo preto e periférico. Mas, há o direito à morte garantido. Para quem já sofre pena de vida, a câmara dos deputados debate a pena de morte.

Esses jovens são filhos de mulheres que já fazem de seu dia-a-dia uma constante luta. Muitas vezes são abandonadas pelos pais de seus filhos que operam sob a lógica dominante de que somente as mulheres são responsáveis pelos filhos. Com os filhos pequenos batalham por ter algum lugar para deixa-los para conseguirem ir trabalhar, pois não há creches o suficiente. Durante o trajeto para o trabalho correm o risco de sofrerem violência sexual no transporte ou nos caminhos mal iluminados. No trabalho recebem menores salários do que os homens. Ao retornar para casa realizam o trabalho doméstico, pois o estado não garante lavanderias e restaurantes públicos. E quando seguem compartilhando a moradia com seus parceiros, muitas vezes sofrem a violência doméstica. Desse modo, a vida das mulheres trabalhadoras brasileiras é muito dura.

Mas, com a intervenção direta da Polícia ou do exército nas comunidades, essa realidade difícil tomou ainda mais contornos de sofrimento. Hoje há um verdadeiro genocídio da juventude negra. Entre 2006 e 2012, 33 mil adolescentes foram assassinados. Houve um aumento de 14,1% de vítimas negras. Cada jovem que tomba, cai com um futuro interrompido e um a família ao seu redor. Por que o senhor atirou em mim? É a pergunta engasgada dos milhares de jovens assassinados diariamente.
As mães desses jovens são as mulheres descritas acima. Além da realidade exposta, ainda sofrem com a perda de seus filhos. Fátima, mãe de DG, dançarino assassinado pela polícia clamou por justiça e expressou sua dor e indignação. À essas mulheres, que viram seus filhos sofrendo pena de morte, o direito ao choro não é muitas vezes reconhecido.

No dia 30 de junho agora a Câmara de deputados debateu a PEC 171/93 e, mesmo perdendo a votação, Eduardo Cunha deu um jeito de encaminhar a proposta de legalizar esse ataque à juventude negra, reduziu a maioridade penal de 18 para 16 anos. Essa proposta ignora a situação de barbárie dos cárceres brasileiros e aprofunda a violência do estado contra essa parcela da população, já duramente atacada. As mães que ficam apreensivas pela vida de seus filhos, agora também ficam apreensivas com a sua perspectiva de futuro, ainda mais dificultada. A taxa de desemprego no Brasil deve continuar crescendo nos próximos dois anos, segundo prevê a Organização Internacional do Trabalho. A taxa de rotação no emprego de serviços é bastante alta. A educação pública é precarizada com uma situação de escolas públicas lotadas e sucateadas, as universidades são uma realidade distante (mesmo os programas de endividamento do governo – como o FIES - foram cortados): sem perspectiva de futuro querem tentar controlar nossos jovens, os isolando socialmente, os fazendo pagar por um crime que não é deles.

O crime é do estado por não dar condições de futuro. Quem paga é a juventude negra. E a mães que ousam sonhar com um futuro com alguma felicidade. Em entrevista, Débora, parte do movimento Mães de Maio apontou: "vão defender a redução até prenderem as mães grávidas, por que lá dentro da barriga já estaria se armando um trombadinha”.

Reduzir a maioridade penal é criminalizar o futuro, pois é priorizar medidas punitivas em situação de ausência de direitos humanos para jovens que ao saírem da cadeia serão privados de empregos.
Para as mulheres mães desses jovens é como entalar um nó na garganta: "essa batalha diária vem sendo desprovida de sentido, quando todas as chances de futuro dos nossos filhos são atacadas". Mas, nossa luta ainda vai conquistar seu ideal. O MML chama a luta!

A proibição do aborto legal mata mais uma mulher


Por Barbara Delatorre, do grupo Pão e Rosas e da executiva Nacional do Movimento Mulheres em Luta


Mãe de três filhos, Tatiana Camilato, 31 anos, saiu para fazer um aborto clandestinamente no Jacarezinho e não voltou mais. Tatiana tinha medo de não conseguir o emprego pra sustentar a família, como relatou sua irmã "Eu não tenho saída, preciso fazer isso, sou mãe solteira". Foi levada à uma Unidade de Pronto Atendimento no Engenho Novo por uma mulher desconhecida, com nome e telefone falsos, mas não resistiu e morreu.


Tatiana estava com os dentes muito quebrados, um corte na testa e arranhões pelo corpo. No ano passado, Jandira Magdalena dos Santos, 27 anos, também saiu para fazer um aborto e não voltou mais. Seu corpo foi encontrado carbonizado. Essa é a violência cruel que as mulheres encontram enquanto o aborto continuar a ser um crime. E mesmo nos casos em que é permitido por lei, as mulheres enfrentam inúmeras dificuldades e humilhação.

O caso de Jandira escancarou que existe uma máfia, inclusive com a participação da própria polícia, lucrando com a opressão e exploração em que vivem as mulheres. Pressionadas, por um lado, pelo patrão que ameaça demitir em caso de gravidez, pelo Estado e a polícia que perseguem e criminalizam as mulheres que recorrem aos abortos clandestinos e, por outro, pela necessidade de se manter empregadas e sustentar seus filhos. Num país que privilegia cortes de verbas pra saúde e educação, criminaliza as mulheres que abortam enquanto não oferecem creches e exames simples como o Papanicolau pra garantir a saúde das mulheres.

Tatiana e Jandira não são exceções, pois 1 em cada 5 mulheres no Brasil já realizou ou realizará um abortou. Todos os anos cerca de 860 mil mulheres realizam aborto, sozinhas, no desespero da clandestinidade, pois sabem que podem entrar nas estatísticas da Organização Mundial de Saúde que denuncia que 1 brasileira morre a cada 2 dias em decorrência de complicações nos abortos clandestinos.

Muito além de convicções religiosas e da vontade individual, é preciso parar este verdadeiro assassinato de mulheres através da legalização do aborto para que seja um direito para todas as mulheres, realizado de maneira segura, sem burocracias e gratuita no SUS.

  • Texto publicado originalmente no site Esquerda Diário


Campanha Nacional contra a violência à mulher trabalhadora

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Chega da violência contra as mulheres!

Chega da violência contra as mulheres!