A Câmara dos Deputados aprovou, em regime de urgência, o Projeto de Decreto Legislativo 3/2025, de autoria da deputada bolsonarista Chris Tonietto (PL-RJ). O texto revoga a Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que garantia atendimento humanizado a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual — inclusive nas situações em que a gravidez é resultado de estupro. A aprovação do PDL é um ataque direto ao direito ao aborto legal e à proteção das meninas mais pobres e vulneráveis do país.
O que o PDL 3/2025 faz
A Resolução 258/2024 do Conanda foi um avanço construído a partir da luta dos movimentos sociais. Ela estabelece diretrizes para o acolhimento imediato das vítimas, garantindo o acesso ao aborto legal sem a necessidade de boletim de ocorrência, autorização judicial ou consentimento dos responsáveis — justamente porque, em muitos casos, os responsáveis são os próprios agressores.
O PDL 3/2025 revoga essas garantias e recoloca crianças violentadas sob tutela de instituições e famílias que, frequentemente, perpetuam a violência. Em nome de uma suposta “defesa da vida”, a Câmara aprovou uma medida que condena especialmente meninas a maternidades forçadas, sofrimento psicológico e risco de morte. Trata-se de um projeto profundamente reacionário, que expressa o avanço da extrema-direita e da moral religiosa sobre o corpo das mulheres.
Um Parlamento a serviço da extrema-direita
A aprovação em regime de urgência — sem debate público, sem comissões, sem ouvir especialistas — mostra a força das bancadas religiosas e conservadoras, que seguem pautando o Congresso com sua cruzada contra os direitos das mulheres e da infância. No mesmo dia, a Câmara aprovou o aumento das penas para crimes contra animais silvestres, enquanto nega humanidade às crianças violentadas. É o retrato de um parlamento que usa a retórica da “proteção à vida” para seguir permitindo os direitos dos estupradores.
A responsabilidade do governo Lula
Mas a responsabilidade não é apenas da extrema-direita. O governo Lula também tem culpa direta neste retrocesso. Ainda em 2024, o próprio governo tentou barrar a aprovação da Resolução 258 no Conanda, cedendo à pressão das bancadas religiosas. O Ministério dos Direitos Humanos e o Ministério da Saúde se omitiram, enquanto o Ministério das Mulheres foi isolado e silenciado.
Além disso, o governo se recusa sistematicamente a pautar a legalização do aborto como uma questão de saúde pública e de justiça social. Esconde o tema atrás do cálculo eleitoral e da “governabilidade”, como se os direitos das mulheres fossem moeda de troca com o fundamentalismo. Enquanto isso, meninas pobres e negras seguem morrendo em abortos inseguros, sendo criminalizadas ou obrigadas a levar adiante gravidezes fruto de estupro.
Não enfrentar a extrema-direita é fortalecê-la. O silêncio do governo diante dessas medidas reacionárias, é cumplicidade. O medo de perder apoio parlamentar está custando vidas de meninas.
A quem serve esse ataque
O PDL 3/2025 não defende a infância, defende a dominação sobre nossos corpos e nossas vidas. Ao retirar das meninas o direito de decidir, ele reforça a lógica da propriedade masculina sobre o corpo feminino. Impõe a maternidade compulsória e reafirma a ideia de que as mulheres nasceram para obedecer e sofrer. É a mesma lógica que fundamenta o racismo, a pobreza e as múltiplas violências que o Estado perpetua.
As maiores vítimas dessa política são as meninas trabalhadoras, negras e periféricas, que enfrentam a violência cotidiana e encontram no Estado apenas repressão e abandono. São elas que, diante de um sistema de saúde precarizado e de escolas sem estrutura, pagarão com a vida o preço dessa ofensiva moral.
É preciso barrar no Senado e nas ruas
O Movimento Mulheres em Luta convoca todas as organizações de mulheres, entidades estudantis, sindicatos e movimentos populares a se mobilizarem para barrar o PDL 3/2025 no Senado. Precisamos denunciar o caráter reacionário dessa medida e a hipocrisia de um governo que se diz progressista, mas se cala diante da ofensiva da extrema-direita.
Não aceitaremos que o país retroceda às trevas. Defender o aborto legal, seguro e gratuito é defender o direito à vida, à saúde e à dignidade das mulheres, meninas e corpos que gestam. É afirmar que nenhuma criança deve ser forçada a ser mãe, e que nenhuma mulher deve morrer por falta de atendimento.
Nossa luta é por um Estado laico, pela separação entre fé e política, e por um governo que realmente enfrente o fundamentalismo, e não se ajoelhe diante dele.
Nem tutela, nem silêncio: meninas têm direito a viver, decidir e ser livres.
Movimento Mulheres em Luta (MML)
6 de novembro de 2025

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