terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Aumenta o surto de Zika e o Governo Segue Cortando Custos !


Por Maria Costa, do MML- MG

Em cerca de 3 meses o Zika vírus deixou de ser um problema de saúde pública no Brasil para ser decretado emergência de saúde pública de caráter internacional pela OMS. O vírus espalhou-se com uma velocidade nunca vista antes para doenças transmitidas por mosquitos.

Zika: uma doença com mais dúvidas que certezas

A presença do Zika vírus foi confirmada no Brasil em Maio de 2015. Menos de um ano depois, à data que escrevemos este artigo, já se registrava a transmissão local do vírus em 36 países no mundo, dos quais 26 pertenciam ao continente americano. Nas palavras da diretora-geral da OMS o vírus disseminou-se de forma explosiva e pode se transformar num problema de saúde mundial.
Está comprovado que o Zika se transmite pela picada do mosquito Aedes aegypti, tal como a dengue e a febre chikungunya. Existem fortes evidências de que se transmita durante a gestação através da placenta para o feto. Todas as restantes formas de transmissão são consideradas possíveis, ainda não foram feitos testes suficientes para confirmá-las ou descartá-las.
Já foram comprovados alguns casos em que o vírus se transmitiu pelo sangue e por relações sexuais. No entanto não se sabe se foram transmissões ocasionais ou se pode ser transmitido assim sempre. Neste momento os Centros para Controle de Doenças  Americano (CDC) e Europeu (ECDC) já admitem que possa haver transmissão sexual e aconselham o uso de camisinha para prevenção da infecção por Zika. Recomendam também que sejam feitos testes para detecção do vírus em sangue de doadores que vivem ou estiveram em regiões com epidemia de Zika.
Recentemente a Fiocruz comprovou a presença de vírus ativos, ou seja, com capacidade de infectar, na saliva e urina de pacientes com Zika.
O outro fato que aponta para a possibilidade de que não seja só o mosquito que transmita o Zika é que está se disseminando em uma velocidade nunca vista antes, nem para a chikungunya nem para a dengue. A dengue demorou quase 20 anos para se disseminar pelas Américas. O Zika, em um ano já se disseminou por 26 países.

É possível diagnosticar a microcefalia e a infecção pelo vírus Zika durante a gravidez?

Atualmente, o método mais eficaz para diagnosticar a presença do vírus é mediante a detecção do seu material genético no sangue no período que decorre a infecção. Também pode ser detectado no líquido amniótico. A pesquisa de anticorpos é pouco fidedigna porque gera reações cruzadas com os anticorpos contra a dengue (ou seja, é detectado um anticorpo contra o Zika que na verdade é um anticorpo contra a dengue).
O protocolo estabelecido pelo governo preconiza a realização deste teste apenas quando há suspeita de infecção pelo Zika: “Toda grávida, em qualquer idade gestacional, com doença exantemática aguda, excluídas outras hipóteses de doenças infecciosas e causas não infecciosas conhecidas”. Este critério é totalmente insuficiente, pois 80% das infecções por Zika são assintomáticas. Para garantir que o maior número de grávidas sejam diagnosticadas, deve ser feito o teste de detecção do vírus no primeiro trimestre de gestação (até 12 semanas) e no segundo (até 20 semanas), juntamente com a pesquisa de anticorpos para o vírus. Não se sabe quanto tempo o vírus permanece na corrente sanguínea e é possível que, mesmo com a realização desses exames, a infecção não seja detectada. Ainda assim, com certeza seria identificado um número muito maior de grávidas em risco do que o atual protocolo do governo permite. Se, entretanto, forem descobertos outros métodos de diagnóstico mais fidedignos, então estes devem ser utilizados.
A ultrassonografia (USG) morfológica só tem detectado a microcefalia nos fetos após a 28ª semana de gestação. No entanto a análise do líquido amniótico para detectar a presença do vírus pode ser feita muito mais cedo na gestação, em casos suspeitos, ou se a grávida desejar. Este é um exame que ainda não se tem certeza se detecta todos os casos de infecção e que apresenta risco muito pequeno de provocar um aborto. Ainda assim, se a mulher desejar fazê-lo deve ter esta opção.
A obstetra Adriana Melo, de Campina Grande (PB) especialista em medicina fetal foi a primeira a identificar o Zika em gestantes com fetos com microcefalia, segue acompanhando gestantes com Zika e refere que “diagnóstico mais precoce que fiz foi com 20 semanas, e, quando começaram as alterações, a grávida estava com 16 semanas.”. É necessário aprofundar as investigações para detectar se de fato há alterações no desenvolvimento fetal que permitam o diagnóstico da síndrome Zika mais precocemente na gravidez.
Mas, se a microcefalia não tem cura e se nem todos os casos podem ser diagnosticados durante a gravidez, para que realizar tantos exames? A resposta é simples: para que as mulheres grávidas tenham acesso a toda a informação possível sobre o estado de saúde do feto e sobre qual o risco de que nasça com microcefalia, para que assim possam decidir se querem ou não levar a gravidez até o fim.

Que as mulheres trabalhadoras e famílias possam escolher

O ECDC e o CDC estão a aconselhar as mulheres grávidas a não viajar para países com epidemia de Zika. Fica a pergunta, qual o conselho a dar às mulheres que vivem nesses países? Os únicos conselhos dados atualmente pelo governo brasileiro às mulheres grávidas são: “O Ministério da Saúde orienta as gestantes adotarem medidas que possam reduzir a presença do mosquito Aedes aegypti, com a eliminação de criadouros, e proteger-se da exposição de mosquitos, como manter portas e janelas fechadas ou teladas, usar calça e camisa de manga comprida e utilizar repelentes permitidos para gestantes.[1]
O governo coloca a responsabilidade nos trabalhadores, por um lado responsabilizando-os por eliminar os focos de multiplicação do mosquito por outro aconselhando as grávidas a que se protejam do mosquito.
Por mais que tomem todos esses cuidados, não é possível garantir não vão sofrer nenhuma picada de mosquito durante os 9 meses de gestação. A situação pode ser mais incontrolável ainda se de fato o vírus se transmitir por relações sexuais ou pela saliva. Ou seja, todas as mulheres grávidas neste momento, por mais cuidadosas que sejam, correm risco real de serem infectadas pelo vírus Zika e terem um filho com síndrome de Zika congênita.
Na prática a maioria dos médicos está a aconselhar as mulheres a não engravidar agora. A pergunta que fica é como??? Como garantir não engravidar num país em que a distribuição de contraceptivos gratuitos é tão deficiente? Onde pouquíssimas mulheres têm condição econômica de ter acesso à contracepção que não exige ser tomada diariamente e que, por isso, é muito mais segura (anel vaginal, adesivos cutâneos, DIU hormonal e de cobre)?
O governo segue dizendo: “Não há uma recomendação do Ministério da Saúde para evitar a gravidez. As informações estão sendo divulgadas conforme o andamento das investigações. A decisão de uma gestação é individual de cada mulher e sua família”
Deveria ser uma decisão individual de cada mulher e sua família, mas não é! A mulher com uma gravidez indesejada não pode tomar mais nenhuma decisão. O Estado já tomou por ela proibindo o aborto.
Mesmo que se tenha acesso aos melhores contraceptivos, nenhum deles é 100% seguro, inclusive quando são usados corretamente falham e podem ocorrer gravidezes indesejadas. Acreditamos que agora, mais do que nunca, é fundamental que as mulheres possam escolher se querem ter um filho, correndo o risco de ser infectadas pelo Zika, ou se não querem correr esse risco, e nesse caso devem ter acesso a realizar um aborto no SUS, gratuito e em segurança.
O Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, Zeid Al Hussein, apelou a países afetados pelo vírus que permitam que mulheres tenham acesso a métodos contraceptivos e ao aborto.[2]
Não se trata de permitir o aborto pois na verdade ele já é realizado em todos os países da América Latina, trata-se de que todas as mulheres tenham acesso a um aborto seguro e gratuito, porque hoje as mulheres ricas fazem-no em segurança pagando entre 5 a 15 mil reais por procedimento. O responsável pela identificação do primeiro caso de zika no Brasil e um dos primeiros a apontar a relação do vírus com aumento de casos de microcefalia, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, Kleber Luz, não pensa duas vezes ao afirmar “As mulheres vão abortar, com autorização legal ou não”, avaliou. “E isso vai acontecer com mulheres de todas as faixas sociais.”[3] Trata-se de garantir que as mulheres trabalhadoras tenham acesso à realização de um aborto em segurança e gratuitamente no SUS e não coloquem a sua vida e saúde em risco.
Por outro lado, consideramos que as mulheres e famílias que desejarem ter filhos devem ter todas as garantias do Estado de ter acesso aos melhores tratamentos e acompanhamento de saúde e educacional. Para além disso é necessário garantir um subsídio digno às famílias e estabilidade no emprego, tal como disse Angela Rocha, chefe do serviço de infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz de Recife, “é necessário garantir que pais e cuidadores não tenham uma queda muito significativa nos rendimentos. Isso porque a rotina de tratamento desses bebês é intensa. Pais terão de levá-los às consultas muitas vezes durante o horário de trabalho.”[4]
As consequências do Zika prejudicam muito mais as mulheres trabalhadoras e pobres pois estão condenadas ou a abortar colocando em risco a sua vida e saúde ou a criar um filho com malformações sem apoio nenhum do estado, já as mulheres ricas têm esses tratamentos garantidos para os seus filhos e se quiserem podem abortar com segurança.

Programa da classe trabalhadora para a epidemia de Zika

No Brasil, a epidemia de Zika surge num momento de crise econômica em que o centro da política do governo Dilma/PT tem sido pôr os custos dessa crise nas costas dos trabalhadores. Os cortes no orçamento têm afetado essencialmente as áreas sociais, a saúde e a educação. A crise do SUS no estado do Rio é um dos exemplos da situação de caos e sucateamento em que se encontra o SUS.
O alerta para esta situação é dado pelos próprios profissionais de saúde, o diretor de uma escola de Saúde Pública da Fiocruz, Hermano Castro. “A saúde não pode ser penalizada com cortes, sob pena de termos uma crise sanitária com repercussão nos próximos trinta ou quarenta anos”10,
Dizemos mais, não basta que não haja mais cortes na saúde pública, é necessário um investimento de emergência, é necessário que 10% do PIB seja investido no SUS e que seja feito um orçamento de emergência para resposta ao Zika. Neste momento já são as famílias trabalhadoras mais pobres que mais sofrem com esta epidemia pois são as que vivem em áreas sem saneamento básico e com mais concentração do mosquito. Também são as famílias trabalhadoras que têm menos acesso a cuidados de saúde.
Para além disso tem que terminar de imediato os cortes de orçamento na educação pública que estão a deixar as universidades públicas à beira da falência, completamente sem recursos o que impossibilita que estas se dediquem a investigar os mecanismos pelos quais o vírus causa doença e o desenvolvimento de uma vacina.
Exigimos:
1. Colocar em prática, desde já, um plano consequente para o combate ao Aedes aegypti, com medidas com efeito a curto e longo prazo, que passam por contratação massiva de agentes de saúde para a eliminação de focos de reprodução do mosquito, limpeza de descampados especialmente nas áreas urbanas, eliminar todos os lixões a céu aberto, construção de rede de esgoto e saneamento básico em todas as cidades e que sirvam a toda a população.
2. Disponibilização de todos os recursos financeiros necessários para a pesquisa científica, em instituições estatais, sobre o vírus Zika, síndrome zika congênita e para o possível desenvolvimento de uma vacina.
3. O governo deve distribuir gratuitamente repelentes de qualidade e mosquiteiros para toda a população, mas de forma prioritária às mulheres grávidas.
4. Disponibilização dos melhores tratamentos gratuitos para as crianças com microcefalia e outras malformações congênitas. O governo deve fornecer um subsídio que garanta que as famílias tenham todas as condições econômicas de criar os seus filhos com dignidade. Garantia de estabilidade no emprego para todos os pais e mães de crianças com microcefalia e outras malformações congênitas.
5. Fornecimento gratuito a todas as mulheres em idade reprodutiva de todos os contraceptivos disponíveis, em especial os que não necessitam ingestão diária e que por isso tornam-se mais seguros (anel vaginal, adesivos cutâneos, implante subcutâneo, DIU hormonal e de cobre).
6. Aborto legal e gratuito no SUS para todas as mulheres que não desejarem engravidar.
7. Todas as grávidas que não tiverem sintomas devem fazer o teste para saber se estão infectadas com o vírus Zika no primeiro e segundo trimestre de gestação. No caso de dúvida, as mulheres que desejarem devem poder realizar a detecção do vírus no líquido amniótico.
8. Para que possa ser dado o melhor atendimento à classe trabalhadora e em especial às grávidas neste momento, exigimos o fim do financiamento de empresas de saúde particular e planos de saúde! 10% do PIB para o SUS já! Estatização das grandes empresas e planos de saúde!
9. Fim do pagamento da dívida aos banqueiros para criar um investimento emergencial para o SUS e para a investigação científica em instituições públicas.
10. Para garantir que essas medidas sejam de fato aplicadas, é necessário lutar por um governo socialista dos trabalhadores, sem patrões.







[1] http://combateaedes.saude.gov.br/noticias/320-ministerio-da-saude-investiga-3-852-casos-suspeitos-de-microcefalia-no-pais
[2] http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,contra-microcefalia-onu-recomenda-liberar-aborto-na-america-latina,10000015136
[3] http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,vao-abortar--com-autorizacao-legal-ou-nao,10000015759
[4] http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,medica-fala-em-geracao-de-sequelados,1807413

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