quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Morte precoce de nossas crianças, tragédia anunciada

Kátia Sales, da Executiva Nacional do Movimento Mulheres em Luta

Não é raro vermos no noticiário, casos de crianças encontradas em casa sozinhas. A primeira reação dos jornalistas é culpar a mãe por este “abandono” e “negligencia”. 

"É um absurdo!" Dizem todos cheios de razão.
 
Mas na real, vamos analisar com sangue frio e racionalmente, de quem é a culpa:

O último episódio aconteceu no bairro do Grajaú – Zona Sul de São Paulo. Área super populosa, com imensa maioria de trabalhadores que vão ganhar o sustento longe dali com um transporte precário, caro e lotado. A ausência do Estado é evidente. Falta saneamento básico, falta área de lazer, faltam creches para todas as crianças que ali moram.

A mãe, sem alternativa, deixa os filhos de 2 e 6 anos sozinhos em casa, aos cuidados do seu deus. Sai cedo e volta tarde. Muito cansada, faz o básico na sua casa, senão, não terá forças de limpar a casa da patroa e de cuidar dos filhos desta no dia seguinte, mas muito provavelmente não vê os seus filhos acordarem ou dormirem. Porém o fato de estarem respirando já é uma vitória. Ao contrário de outra mãe, que deixou 2 filhos sozinhos por 40 minutos  para levar outro filho à creche, e neste intervalo as crianças (que estudam em horário diverso, isto se conseguiram vagas) brincando com fósforo causaram incêndio e vieram a óbito.

De quem é a culpa? Das mães? Da irresponsável e negligente que ao invés de cuidar dos seus filhos sai cedo para a labuta e volta tarde? Que vai levar o seu filho na creche porque não tem condução que busque a criança em casa?

Porque a mãe do Grajaú não optou em ir para o semáforo com suas crianças para a mendicância? Pelos menos estariam juntos. Até vir alguém e denunciar este absurdo.
 
O absurdo maior que precisa ser denunciado são as políticas destinadas para a população de baixa renda, é a exploração da mão de obra feminina sem levar em consideração a dupla e muitas vezes tripla jornada de trabalho vivida pelas mulheres. A desvalorização do trabalho feminino obriga que estas mães optem por ter dois empregos, ou a fazer hora extra para complementar a sua renda. Só para confirmar os dados, esta mãe que abandonou os filhos no Grajaú é negra e estava trabalhando. 

Segundo divulgou a OIT, mais de 70% das mulheres negras que exercem algum tipo de trabalho, remunerado ou não, estão inseridas no grupo do chamado emprego precário, totalizando apenas 498.521 mil empregos formais.
 
NÃO HÁ VAGAS
Não há educação infantil em período integral para todas as crianças deste país. Temos um déficit de 3 milhões de vagas para crianças de 0 a 5 anos de idade. Só na capital paulista mais de 150 mil crianças estão sem vagas em creche.
 
Esta é a razão que o Movimento Mulheres em Luta, feminista e classista luta pela implantação de instrumentos públicos necessários às tarefas indispensáveis do lar, lutamos por lavanderias públicas, restaurantes públicos, creches públicas integral e em todos os períodos, direito da criança ao seu pleno desenvolvimento infantil, sob os cuidados de especialistas e que estes sejam devidamente remunerados.

Infelizmente estes não foram os únicos casos e nem serão os últimos enquanto não denunciarmos os verdadeiros culpados e cobrarmos deles garantias dignas de existência da população trabalhadora. 

Fazemos um apelo aos Conselhos Tutelares envolvidos na verificação destes casos. Que se apurem os fatos, mas que não deixe que o senso comum diga mais uma vez que a culpa é única e exclusiva das mulheres, assim como fazem todos os jornais sensacionalistas de plantão.  Que se verifique o porquê destas crianças estarem sem creche, e que se denuncie a situação de exploração destas trabalhadoras.

Que a sociedade assuma a responsabilidade por estas crianças. Os governos, que não viabilizam a plena participação das mulheres no mercado de trabalho e os cuidados com a educação das crianças, e os patrões e patroas que exploram estas mulheres, são mais responsáveis por estas mortes do que qualquer outra pessoa.

Para que ocorra o abandono de incapaz, há primeiro o abandono do governo. O primeiro culpado pelas mazelas e desgraças da sociedade. Nós mulheres não somos bodes expiatórios. Continuaremos lutando pelas nossas vidas e pelas vidas dos filhos da classe trabalhadora.

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