Licença-maternidade ampliada e sem isenção de impostos, creches e legalização do aborto foram algumas das reivindicações. A manifestação também foi marcada pela solidariedade aos trabalhadores do Haiti e pela necessidade de organizar todos os trabalhadores para lutar contra o capitalismo
O centenário da transformação do 8 de março em Dia Internacional da Mulher foi lembrado em São Paulo com um ato classista, antigovernista e socialista. Cerca de de 400 pessoas participaram, mesmo com a pesada chuva que caiu na manhã do dia 6 de março, no vão do Masp, na Avenida Paulista.
Na abertura do ato, a representante da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), Janaína Rodrigues, destacou a importância, neste momento, de um ato classista, organizado e composto por mulheres e companheiros que continuam fiéis às ideias defendidas pela militante revolucionária Clara Zetkin na Segunda Conferência Internacional de Mulheres Trabalhadoras, realizada na Dinamarca em 1910: “Somente um ato claramente anticapitalista, construído em aliança com aqueles e aquelas que não se curvaram ao governo Lula e enfrentam cotidianamente os planos neoliberais pode apontar o caminho, ainda hoje, para a verdadeira libertação e emancipação da mulheres”.
Janaína exemplificou esta necessidade lembrando o lamentável exemplo do brutal assassinato de Maria Islaine, morta pelo ex-marido depois de denunciar oito vezes, inclusive através da Lei Maria da Penha, a violência e as ameaças que vinha sofrendo: “Apesar de apoiada pela maioria das feministas, a Lei Maria da Penha não tem significado uma redução da violência contra as mulheres. Só a mobilização direta é capaz de garantir nossos direitos e impor medidas que realmente protejam as mulheres contra a violência machista”.
Por fim, a professora e militante da Oposição Alternativa e do PSTU, lembrou que, ainda este ano, as mulheres lutadoras poderão homenagear e dar continuidade às mulheres que deram suas vidas na luta contra a exploração capitalista e a opressão machista: “Neste ano, ao realizarmos, aqui no Masp, este ato classista e antigovernista estamos dando mais um passo na construção de dois congressos que terão uma enorme importância para todos nós, trabalhadoras e trabalhadores, negras e negros, homossexuais e todos que lutam contra a opressão e a exploração: estou falando dos congresso da Conlutas e de Unificação por uma nova central sindical, uma central que seja o instrumento para a libertação de todos nós, homens e mulheres”.
“Por esta crise, não pago não! Somos mulheres contra a opressão”
Durante as três horas seguintes, companheiras de várias entidades e movimentos revezaram-se no carro de som. Uma delas foi Rosângela Calzavara, do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, que destacou algumas atividades realizadas por iniciativa do sindicato, filiado à Conlutas, na região do Vale do Paraíba: “É fantástico estar neste 8 de março sabendo da aprovação, pelos trabalhadores e trabalhadoras de GM de São José, da doação de 1% dos salários para o povo haitiano. Esse é um exemplo do caráter internacionalista de nossa luta”.
Rosângela também destacou o trabalho que vem sendo feito para atacar um dos maiores problemas que afeta o dia a dia das mulheres trabalhadoras: “Pesquisas demonstram que 84% das crianças não tem acesso às creches. Lá em São José, já cadastramos 37 mil mulheres nesta situação e não descansaremos enquanto não conseguirmos reverter esta situação”.
Outra sindicalista a tomar a palavra, foi Sandra, da Oposição ao Sindicato dos Municipários de Guarulhos. Ela defendeu a legalização do aborto: “Queremos, sim, a legalização do aborto. Mas, diferente da maioria das organizações feministas,capitaneadas pelas políticas do governo, não queremos somente o direito ao aborto. Queremos mais. Queremos que ele seja bancado pelo SUS. E mais ainda. Queremos aborto como parte de uma política de saúde para a mulher, que também garanta o direito à maternidade digna. Não queremos mais que as mulheres continuem sendo penalizadas nas filas intermináveis dos postos ou pela total ausência de serviços. Não queremos mais mortes sem atendimento. E pra isso, precisamos de saúde gratuita e de qualidade, com a devida atenção para a saúde da mulher e, também, creches 100% gratuitas e com tempo integral para os filhos das mulheres trabalhadoras”.
“Mulheres de Chicago continuam vivas no Pinheirinho”
Foi também do Vale do Paraíba que veio o recado das mulheres dos movimentos populares e de luta pela moradia. Falando em nome do Movimento Urbano dos Sem-Teto (MUST) e da coordenação da Ocupação Pinheirinho – o projeto de moradia popular que há sete anos resiste em São José dos Campos –, a companheira Valdirene ressaltou o orgulho e alegria que sentia em estar comemorando o centenário do Dia Internacional da Mulher entre lutadoras “como as que também temos lá no Pinheirinho e têm sido parte da linha de frente da resistência, organização e direção do nosso movimento. É essa disposição de luta que prova que a morte de nossas companheiras que foram assassinada pelo patrões no 8 de março de 1857 não foi em vão. Elas continuam vivas, aqui e no Pinheirinho”.
Vindo também de São José, Raquel (delegada de base do Sindicato dos Correios, na região), destacou a necessidade das mulheres lutarem por postos na direção dos sindicatos, como é o caso da categoria em que ela milita, onde, pela primeira vez, uma chapa apresenta três companheiras na chapa.
“A nossa luta é todo dia, sou mulher negra e não mercadoria”
Já próximo ao final do ato, a companheira Jaqueline, ativista da Oposição Alternativa, da Apeoesp, na Zona Sul, tomou a palavra em nome do Movimento Mulheres em Luta – Conlutas. Ela lembrou que “apesar do blá-blá-blá do governo Lula e seus aliados, inclusive no movimento feminista, a opressão da mulher não tem diminuído. Nos últimos 100 anos, a opressão e a exploração, infelizmente, somente aumentaram, apesar de nossas muitas lutas e vitórias. O problema não é a falta de disposição das mulheres para lutar, mas o fato de que, no sistema capitalista, toda e qualquer conquista que não se volte diretamente contra o Capital, os patrões e seus comparsas, acaba se perdendo, como é o caso da Lei Maria da Penha e da Licença Maternidade”.
Jaqueline, assim como outras companheiras, lembrou que a proposta de licença-maternidade do governo, assim como o combate da violência através da Lei Maria da Penha, é uma ilusão, que acabam beneficiando os patrões e machistas: “a licença, por exemplo, além de ser uma decisão exclusiva dos patrões, os presenteia com isenção fiscal. O que precisamos são direitos reais”. Para que isto aconteça, Jaqueline defendeu a necessidade das mulheres criarem, no movimento, no interior dos sindicatos e suas organizações, secretarias e fóruns próprios, para discutir e lutar pelos seus direitos: “A exemplo do Mulheres em Luta, criado a partir do Grupo de Trabalho de Mulheres da Conlutas, nós precisamos organizações que reergam as bandeiras históricas do feminismo, há muito abandonadas pelas petistas, cutistas e militantes do PCdoB. Entidades que levantem bem alto, junto com a defesa do aborto, de salário igual para trabalho igual, a defesa da unidade com a classe trabalhadora. A bandeira do classismo”.
Lúcia, do Sindsef, falou sobre o racismo nada cordial nem sutil, que as empresas lançam contra as mulheres negras, utilizando critérios como o da “boa aparência” e submetendo as mulheres ao assédio, nos locais de trabalho. Lúcia também destacou a importância de mulheres comporem as direções sindicais, como no caso de sua entidade, que se orgulha de ter uma maioria de mulheres.
Já Débora, estudante de Pedagogia, na USP, falou em nome da Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre, a ANEL, denunciando a política cada vez mais conservadora e opressora em relação às mulheres em gera e ás mais jovens, em particular.
A Intersindical foi representada pela companheira Nilza, do Sindicato dos Químicos, que defendeu que as mulheres ali presentes não devem medir esforços para continuar se organizando na Nova Central que deve surgir do congresso de unificação que irá ocorrer em meados do ano. Um passo fundamental não só para a luta de todos os trabalhadores, pois sabemos que somente com a total emancipação da mulher poderemos criar um mundo realmente livre e justo para todos os trabalhadores, homens e mulheres.
“Brasil, Haiti, América Central, a luta da mulher é internacional”
Coerente com o caráter internacionalista defendido pelas organizadoras do ato, a manifestação contou com a companheira Sasha, ativista norte-americana dos movimentos antiguerra e GLBT, em São Francisco, na Califórnia, que saldou as companheiras, lembrando que “a luta contra o machismo, o racismo e a homofobia, dentro de uma perspectiva classista, é uma luta necessária em todos os cantos do mundo. Também nos EUA. Lá, no país de onde venho, a eleição de Obama, nem vai mudar, nada. Só a unidade, na luta e na ação direta, dos trabalhadores, da juventude e de todos os oprimidos pode garantir os direitos para nós, explorados e discriminados”.
O tom internacionalista do ato foi marcado pelas citações ao Haiti, presente na grande maioria das falas. Companheira Mara, do coletivo Pão e Rosas, por exemplo, lembrou o porquê, hoje, todas as mulheres lutadoras de todo o mundo devem dizer em alto e bom som “Somos negras do Haiti!”: “Não só porque estamos presentes na solidariedade ativa que nossas entidades, sindicatos e organizações políticas estão demonstrando em relação ao sofrido povo do país onde se realizou a primeira Revolução Negra! Somos negras do Haiti porque aqui, também como elas, temos visto, nos morros do Rio, na periferia de São Paulo, mulheres negras sendo violentadas, crianças sendo mortas; seja por tropas da polícia militar, por justiceiros ou por tropas de ocupação”.
“Mulheres na luta contra a opressão e viva o socialismo e a revolução!”
O Partido Socialista dos Trabalhadores, o PSTU, foi representado pela companheira Ana Pagamunici que abriu sua fala citando um companheiro que é exemplo da unidade e solidariedade antimachista e revolucionária que pode e deve entre lutadores de ambos sexos, Leon Trotsky, o revolucionário russo que sempre destacou que “o dia internacional da mulher é um dia ímpar na história dos revolucionários, foi o dia que acendeu o estopim para a Revolução Socialista”.
Ana lembrou, ainda, que a mesma disposição classista demonstrada pelo ato deveria ser levada para o campo das eleições que se aproximam: “O PT, a CUT e as feministas governistas estão vindo pra cima da mulherada chamando o voto em Dilma porque ‘mulher vota em mulher’. E nós, as mesmas que estão aqui hoje, devemos ser as primeiras a discutir com as trabalhadoras que isto não basta. Dilma e Marina, assim como Merkel, na Alemanha, ou Bachellet, no Chile, assim como a lamentável Condelezza Rice, não são mulheres que nos representam e nem merecem nosso voto. Não temos que votar só em mulheres. Temos votar nas companheiras e, também, companheiros que defendam um programa socialista, o único capaz de levar, também as mulheres, às conquistas que o sistema capitalista nos rouba e nos nega”.
Uma luta classista e socialista
Na dispersão do ato, acompanhado com ânimo e disposição, apesar da chuva incessante e do razoável frio, os cerca de 400 participantes, discutiam a importância da realização do ato, num momento em que somente o resgate do classismo e de uma perspectiva revolucionária pode levar homens e mulheres à conquista dos muitos e necessários direitos que o sistema capitalista nega.
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