Por Janys
Abreu, do MML/ São José do Rio Preto
O
fato de ser mulher e negra condicionou a forma como uma parcela da população
brasileira conseguiu se inserir na sociedade no período pós-abolição. Se no
período da escravidão o papel fundamental da mulher negra esteve ligado aos
afazeres domésticos e à questão sexual, no período pós-abolição uma das
primeiras soluções para ela se inserir no mercado de trabalho foi justamente a
realização de atividades domésticas, especialmente nas grandes cidades.
Dessa
forma, manteve-se um dos papeis que a etapa da escravidão tinha atribuído para
a mulher negra: o cuidado para com a família branca da classe dominante. Isto
ajudou a configurar a imagem da mulher negra na sociedade pós-abolição até os
dias de hoje. No caso, se misturam duas ideologias que a classe dominante usou
e ainda usa como instrumentos de controle e de conservação do poder: o machismo
e o racismo. O trabalho doméstico e o cuidado dos filhos são atribuídos
historicamente ao feminino. Na sociedade escravista, além de ser obrigação das
mulheres, essas tarefas eram consideradas servis, portanto indignas das
mulheres brancas. Por isso, passavam a ser um dever das escravas negras.
Embora
mulheres brancas e negras fossem oprimidas pelo machismo, existia outra
opressão que diferenciava e estabelecia hierarquias no papel de cada uma dentro
do lar: o racismo. A mulher branca era a patroa, que organizava o trabalho e
dizia como ele devia ser feito, enquanto a mulher negra seguia as ordens.
Essa
concepção foi arrastada para o período pós-abolição e condicionou a relação
entre as mulheres negras e a sociedade. Isso trouxe como consequência que a
mulher negra se transformasse, entre finais do século XIX e inícios do XX, no
sustento da família negra. Enquanto para o homem negro era muito difícil se
inserir no mercado de trabalho, pela concorrência estabelecida com os
imigrantes brancos, a mulher negra arrumava emprego com mais facilidade nas
tarefas do lar.
Assim,
a mulher negra conseguiu se inserir no mercado de trabalho da nova sociedade
capitalista, mas sua marginalização se deu, majoritariamente, por meio do
enquadramento dentro de uma única atividade assalariada: o trabalho doméstico.
Nesse sentido, é importante colocar que nem sempre o trabalho realizado pela
mulher negra era remunerado com dinheiro, às vezes ele era “pago” com
alojamento e comida (ponto de partida para a desvalorização e a remuneração
desigual do trabalho da mulher negra que observamos na sociedade contemporânea).
Essa
situação se mantém, de certa forma, até hoje, quando vemos que a maioria das
que realizam trabalhos domésticos são mulheres negras. Segundo Santos (2009),
“há poucas mulheres negras trabalhando como executivas, médicas, enfermeiras,
juízas, dentre outras profissões de destaque; o que se verifica ainda é a
grande maioria realizando trabalhos domésticos e recebendo baixos salários”.
Assim,
a dupla opressão sofrida pela mulher negra a coloca no mais baixo patamar da
pirâmide social, que está organizada, de cima para baixo, da seguinte forma:
homem branco, mulher branca, homem negro, mulher negra. Segundo Santos (2009),
No que diz respeito à
escolaridade, pesquisa realizada em 2006, revela que entre as mulheres negras
com 15 anos ou mais, a taxa de analfabetismo é duas vezes maior que entre as
brancas, no que tange ao trabalho doméstico infantil, 75% das trabalhadoras são
meninas negras.[...] para as mulheres afro-descentes o mercado reserva as
posições menos qualificadas, os piores salários, a informalidade e o
desrespeito.
Outra
herança que o período da escravidão deixou para a mulher negra livre foi a
sensualização da sua imagem. Durante a escravatura a mulher negra servia também
como objeto sexual, assim foi se construindo uma imagem sobre a sua sexualidade
que a colocava como insaciável, como diferente. Isso era o resultado da
violência sexual que sofriam: tinham que estar sempre dispostas para satisfazer
as fantasias sexuais do senhor de engenho. Esse estereótipo trouxe como
consequência o rebaixamento e o menosprezo da capacidade da mulher negra para
realizar tarefas intelectuais. Essa hipersexualização é latente nos dias de
hoje em vários espaços, especialmente no carnaval brasileiro, que se mostra
para o mundo como uma bunda de mulher negra disponível para o prazer dos
visitantes.
Por
outro lado, a inserção da mulher negra em uma sociedade que historicamente
valorizou o padrão estético e intelectual branco é bem difícil. Perante o
predomínio do padrão de beleza da mulher branca e a consequente desvalorização
do padrão de beleza negra, a construção da autoestima e da identidade da mulher
negra é um processo longo, difícil e dolorido.
Outro fardo que a escravatura e o
período pós-abolição deixaram para a mulher negra no Brasil foi a dificuldade
para se relacionar amorosamente, para achar um “par”. A mulher negra é
extremamente preterida quando se trata de relacionamentos. Muito se discute
hoje no movimento negro sobre a solidão da mulher negra. Em uma sociedade onde
o sucesso e o reconhecimento social têm a face branca, a maioria das mulheres
solteiras é negra e frases como “é uma questão de gosto”, “ninguém é obrigado a
amar ninguém”, “a gente não escolhe quem amar”, escondem a forma como o racismo
opera no Brasil. A mídia, com a reprodução de estereótipos, e a escola, com a
omissão da história da população negra, constantemente contribuem para reforçar
preconceitos racistas. Assim, aprendemos que a beleza é branca, que mulher
negra só serve para transar, que ser negro é ruim etc. Então, será que
realmente amar é uma questão espontânea? Será que os homens não estão
escolhendo quando decidem esconder a moça negra com quem estão se relacionando,
e apenas se mostrar a branca? Será que as mulheres negras estão sozinhas à toa?
São perguntas para refletirmos sobre as dissimiles formas de opressão que a
mulher negra sofre na sociedade brasileira.
Boa tarde, tem como me informar a bibliografia ?
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