Marcela Azevedo, da Executiva Nacional do MML e da Secretaria Executiva da CSP Conlutas
No Brasil uma mulher
morre vítima de aborto clandestino a cada dois dias, estima-se que em torno de
1 milhão de abortos sejam realizados por ano, sendo essa a 5ª causa de
mortalidade materna em nosso país. Muitas dessas mulheres quando sobrevivem ao
procedimento, ficam com sequelas físicas e psicológicas para o resto da vida.
As principais
vítimas são as mulheres pobres, negras e com baixa instrução. A 1ª pesquisa
realizada sobre o tema pelo IBGE, em 2015, apontou que nas regiões mais pobres
do país os números são gritantes. No Nordeste, por
exemplo, o percentual de mulheres sem instrução que fizeram aborto provocado
(37% do total de abortos) é sete vezes maior que o de mulheres com superior
completo (5%). Entre as mulheres negras, o índice de aborto provocado
(3,5% das mulheres) é o dobro daquele verificado entre as brancas (1,7% das
mulheres). Conforme mostra a imagem abaixo:
São as mulheres da classe
trabalhadora que estão morrendo ou sendo criminalizadas. As mulheres ricas
conseguem pagar entre R$ 5 e 8 mil reais em clínicas clandestinas e receber
atendimento discreto, seguro e de qualidade. Para as que não têm esse dinheiro,
o Estado reserva a prisão e o julgamento social.
Crise
econômica e mais opressão sobre as mulheres
Na atual situação
econômica do país, as mulheres são as mais prejudicadas com todas as consequências
da crise, seja porque são as primeiras a serem demitidas e a perder sua renda,
assim como são o principal alvo dos governos na retirada de direitos, seja
porque toda a vulnerabilidade e insegurança que vive a população em geral faz
aumentar a violência e o machismo.
Não é a toa que no 1º
semestre de 2016, comparado com o 1º semestre de 2015, tivemos um aumento de 2%
nos casos de estupro em São Paulo. A pesquisa divulgada pelo Datafolha,
recentemente, também evidencia o grau de naturalização da violência machista,
revelando que 1 a cada 3 brasileiros responsabilizam a mulher quando essa é
estuprada, levantando questões como o tipo de roupa, o local em que estava ou o
comportamento social como argumento para tal julgamento.
A perspectiva,
infelizmente, não é de melhora para as trabalhadoras. Pois, Temer segue
aplicando a mesma cartilha do PT e aponta ataques duríssimos ao conjunto da
classe, em especial as mulheres. A reforma da previdência, deverá aumentar em 5
anos o tempo de contribuição feminina para se aposentar; desvincula o valor da
aposentadoria do salário mínimo, ou seja, as mulheres que são 70% da população
que recebe esse valor podem receber ainda menos de beneficio; enquanto a reforma trabalhista visa colocar o que for acordado nas convenções
coletivas acima do que está na lei, deixando as mulheres em situação de total
vulnerabilidade, já que são elas as que tem vínculo e organização sindical mais
frágeis.
Outra medida do governo
que vai na contramão de nossos interesses é a PEC 241 que pretende congelar por
20 anos os investimentos nos serviços públicos como educação, saúde e moradia.
Se atualmente já não há atendimento as necessidades sociais da população,
imagina com restrição de investimento. Essa lógica precisa ser invertida e o
governo precisa tomar os problemas de saúde pública, como a questão do aborto,
de maneira prioritária.
A
quem interessa os mitos que rondam o tema do aborto?
No ano passado, vimos
tramitar no congresso o PL 5069/13 de autoria de Eduardo Cunha, deputado
recentemente cassado. Esse projeto impede as mulheres vítimas de violência
sexual a prevenir uma gravidez e criminaliza o profissional de saúde que
prestar alguma orientação sobre o tema a paciente. Cunha, que dizia defender
esse projeto em nome da família e de uma moral religiosa, foi desmascarado na
operação Lavo-jato, sendo confirmado o desvio de milhões de reais para sua
conta na Suíça.
Além desse, outros
projetos como o bolsa-estupro que prevê 1 salário mínimo mensal para a mulher
vítima de violência sexual e obriga a criança a ter o nome do estuprador em seu
registro de nascimento, bem como a luta de setores conservadores para impedir
que fosse regulamento o atendimento as mulheres no SUS nos casos já previstos
na Lei brasileira em que o aborto é permitido, evidenciam que há uma forte pressão para retirar o mínimo de
direto já conquistado.
Contudo, esses são os
mesmos setores que se beneficiam da pobreza e da necessidade da população,
super- explorando e manipulando os setores mais pauperizados, pois, quando essa
mesma mulher que é obrigada a ter um filho vai procurar um emprego não tem,
quando vai procurar uma unidade de saúde para fazer pré-natal não tem, quando
vai procurar uma creche pública para deixar seu filho não tem. Mas tem dinheiro
para ser desviado ou para garantir privilégios dos políticos e o lucro dos
empresários.
Pesquisas realizadas no
Brasil mostram que as mulheres que realizam o procedimento são pessoas normais,
tanto quanto você que lê esse texto, sua mãe, esposa ou irmã. A maioria é
religiosa: católicas (66%) e protestantes (25%), casadas (64%) e já tem outros filhos
(81%). No Uruguai, um dos poucos países da América Latina que pratica aborto de
forma legal e que legalizou a pratica em 2012, evidencia que nesses anos não
houve um aumento significativo no número de casos e, o mais importante, não
houve nenhuma morte por conta de procedimentos inseguros.
É sobre essa
perspectiva que tratamos o assunto. Não
se trata de uma decisão de cunho religioso ou moral, tampouco se pode tomar uma
opinião individual de maneira generalizada, ou seja, a partir da opinião de alguns
impor uma sentença para todas as mulheres. Essa é uma questão de saúde pública.
Pela vida das mulheres trabalhadoras é
necessário exigir educação sexual e contraceptivos para prevenir; aborto legal,
seguro e gratuito para não morrer.
Nas
ruas com os trabalhadores é onde podemos arrancar conquistas
Diante de toda essa
conjuntura o que resta para as mulheres trabalhadoras é a luta. Já demonstramos
muita disposição para isso no último período. Construímos greves,
manifestações, ocupamos escolas e prédios públicos, fomos milhares contra a
cultura do estupro e todo tipo de naturalização do machismo. Estivemos nas
mobilizações específicas, aquelas que tratam de coisas que nos afetam
diretamente por sermos mulheres, mas também estivemos ao lado dos nossos
companheiros de classe defendendo o emprego e direitos trabalhistas.
Agora é a hora de
unificar a classe trabalhadora e encampar todas as reivindicações de maneira
combinada. Bandeiras como a legalização do aborto são parte daquilo que o governo
quer nos tirar, não podemos dar nenhuma trégua. Para isso é fundamental que os
homens trabalhadores estejam do nosso lado, entendendo que se perdemos eles
perdem também, se nos atacam, eles também estão sendo atacados.
Por isso, amanhã, 29 de
setembro, Dia Nacional de Paralisação chamado pelos metalúrgicos e encampado
por vários outros setores como construção civil, químicos, educação,
funcionalismo público, movimento popular é espaço também para ocuparmos as ruas
e levarmos nossas pautas, fortalecendo a resistência e construindo as condições
para uma greve geral que barre os ataques do governo Temer e do congresso
corrupto.
ü
- Pelo direito a educação sexual nas escolas e unidades de saúde! Acesso a contraceptivos gratuitos e de qualidade! Assistência psicossocial a mulheres que enfrentam uma gravidez indesejada!
- Pela descriminalização e legalização do aborto! Que os procedimentos sejam feitos no serviço público, de maneira segura e gratuita!
- Basta de violência contra a mulher! Contra o PL5069 /13 e o bolsa estupro!
- Contra a reforma da previdência e trabalhista! Estabilidade no emprego. Redução da jornada, sem redução do salário! Salario igual para trabalho igual!
- Licença maternidade de 1 ano!
- Creches públicas, gratuitas, de qualidade e em tempo integral!
*
Veja onde se faz mais aborto no Brasil, segundo o IBGE: http://www.brasilpost.com.br/2015/08/21/estados-aborto-no-brasil-_n_8022824.html
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