Silvia Ferraro, da
executiva Nacional do Movimento Mulheres em Luta
Em várias Câmaras Municipais estão sendo votados os Planos
Municipais de Educação. Os municípios têm até o final de junho para adequarem
seus planos educacionais ao PNE (Plano Nacional de Educação).
Estamos vendo se repetirem votações nas Câmaras Municipais
que estão simplesmente retirando qualquer referência do termo “Gênero” dos Planos
de Educação, tendo como consequência um brutal retrocesso pedagógico e um
prejuízo imenso para a educação de crianças e jovens.
Isto não é mera casualidade ou fruto da pressão popular.
Esta política está sendo organizada por setores religiosos conservadores que
estão disseminados em vários partidos e recebem ordens de seus “gurus”.
São Paulo, Maringá, Recife, Jundiaí, Nova Andradina, Maceió,
São João Del Rei, Contagem, Campinas e Guarulhos são alguns exemplos de cidades
em que vereadores estão aprovando retrocessos em relação à igualdade de gênero
e ao respeito à diversidade sexual.
Em São Paulo, todos os artigos que tratavam do termo Gênero foram
alterados e alguns foram integralmente suprimidos. Vejam os artigos
modificados:
“3.17 – Instaurar para as
instituições escolares protocolo para registro e encaminhamento de denúncias de
violências e discriminações de gênero e identidade de gênero, raça/etnia,
origem regional ou nacional, orientação sexual, deficiências, intolerância
religiosa, entre outras, visando a fortalecer as redes de proteção de direitos
previstas na legislação.”
“3.18 – Promover ações contínuas de formação da comunidade escolar sobre sexualidade, diversidade, relações de gênero e Lei Maria da
Penha n° 11.340, de 7 de agosto de 2006, através da Secretaria
Municipal de Educação e em parceria com Instituições de Ensino Superior e
Universidades, preferencialmente públicas, e desenvolver, garantir e ampliar a
oferta de programas de formação inicial e continuada de profissionais da
educação, além de cursos de extensão, especialização, mestrado e doutorado,
visando a superar preconceitos, discriminação, violência sexista, homofóbica e
transfóbica no ambiente escolar.”
“3.19. Difundir propostas pedagógicas que
incorporem conteúdos sobre sexualidade, diversidade quanto à orientação sexual,
relações de gênero e identidade de gênero, por meio de ações colaborativas da
Secretaria Municipal de Direitos Humanos, da Secretaria da Justiça e da Defesa
da Cidadania do Estado de São Paulo, dos Conselhos Escolares, equipes
pedagógicas e sociedade civil. (artigo excluído em sua totalidade)”
“6.5 – Implementar
políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação à orientação sexual ou à identidade de
gênero e étnico-racial, criando rede de proteção contra formas
associadas de exclusão.”
Em Guarulhos, os
vereadores querem proibir uma cartilha em quadrinhos que simplesmente defende
que as meninas podem cumprir os mesmos papéis sociais que os meninos!!
Os
argumentos que os vereadores apresentam para barrar tudo a que se refere a
Gênero parecem pertencer ao senso comum e à ignorância, como por exemplo o
vereador de SP, Ricardo Nunes (PMDB), que diz, segundo o site do G1: “Agente
acha que não é correto criança discutir sexualidade, se quer ser menino ou quer
ser menina”, ou então o vereador Luiz Eustáquio (PT) de Recife que disse: “Eu
mesmo não concordo com alguns pontos, e um deles é o fato de as escolas
ensinarem sexualidade, diversidade sexual e assuntos desse tipo. O ensino que
tem que ser levado (às crianças) é o Português, a Matemática, História… essa é
a responsabilidade dos educadores. Questões morais são de responsabilidade dos
pais”.
Mas,
por trás da aparente ignorância dos vereadores, o que existe é uma articulação
política desde a Câmara dos Deputados em Brasília até as Câmaras de Vereadores
nas cidades, passando pelas Assembleias Legislativas e até mesmo pelos
Ministérios Públicos. Em Alagoas, foi o Ministério Público do Estado, por meio
da Promotoria de Justiça do Município que recomendou a retirada de termos
relacionados à “ideologia de gênero” no Plano Municipal de Educação da
prefeitura.
Esta articulação tem representantes em vários partidos, do PSDB
ao PT, e também está presente em orientações de padres e bispos católicos a
pastores evangélicos pentecostais. Um exemplo é o padre católico Paulo Ricardo,
que tem um arsenal de comunicação à sua disposição e que propaga um vídeo na
internet em que explica didaticamente porque os fiéis devem se mobilizar contra
a “ideologia de gênero”. Seu blog diz: “O perigo está mais próximo do que você
imagina. O plano para introduzir a Ideologia de Gênero nas escolas saiu do
Congresso Nacional e está nas Câmaras Municipais de todo o país, bem perto da
sua casa. Afinal, o que está acontecendo? Como agir diante dessa nova ameaça à
família brasileira? Entenda já os riscos e saiba o que fazer”.
Qual é o “perigo” que eles tanto temem? Crianças que vão
aprender a se respeitarem desde cedo? Que vão aprender que meninas não tem que
fazer trabalhos domésticos enquanto meninos brincam livres pela rua? Que
meninas podem fazer as mesmas coisas que os meninos? Que homens não podem ser violentos com as
mulheres? Que pessoas do mesmo sexo
podem sim namorar e casar se quiserem e não devem ser discriminadas por isso?
Que pessoas podem sim nascerem com um sexo, mas se sentirem pertencendo a outro
gênero?
Que mundo poderia ser tão terrível se tivesse menos preconceito
e menos violência de gênero? Talvez um mundo em que os tais conservadores não
tivessem tanto ibope e não enriquecessem tanto e também não se elegessem
tanto...O discurso “conservador” virou uma fonte de riqueza e de votos. O
exemplo mais emblemático é do próprio Eduardo Cunha, que é um dos deputados que
recebeu mais verba de grandes empresas na campanha, tem programa de rádio e
consequentemente, um dos mais votados. Ser “conservador” virou um grande
negócio. Um discurso intolerante, dogmático, infantilizado, que se diz
representar alguma autoridade divina e acaba manipulando a religiosidade das
pessoas.
Pois bem, estes “empresários da fé”, ao se articularem
politicamente para impor retrocessos na educação estão sendo cúmplices da
violência machista, racista e LGBTfóbica, que oprime, mutila e assassina.
As escolas também são palco da violência. Recentemente uma
adolescente foi estuprada em uma escola da zona sul de SP e outras meninas
tentaram suicídio por causa de uma lista das “mais vadias”. Estes casos são
consequência da sociedade machista e opressora, que perpetua a desigualdade
para aumentar a exploração e que descarrega tragédias em cima dos mais pobres e
vulneráveis. Fruto disso, está também uma escola que não tem instrumentos para
educar sobre sexualidade, igualdade de gênero e diversidade sexual.
Neste sentido, não somente os “conservadores” são responsáveis,
mas o governo Dilma, que vetou o kit-anti-homofobia das escolas, que não
implementa um programa efetivo de educação contra a violência machista, que faz
todo tipo de acordo com a bancada conservadora no Congresso Nacional, abriu o
caminho para o retrocesso que está se implementando agora. Aliás, vereadores do
PT estão votando pela retirada do termo Gênero dos Planos como o Jair Tatto em
SP ou o caso da vereadora do PT de Guarulhos, Dona Maria, que formulou um PL
que proíbe a parada LGBT na cidade.
Mas a luta contra o retrocesso nos Planos de Educação dos
Municípios ainda não acabou. Semana que vem, os projetos vão para uma segunda
votação em muitas cidades. Vamos nos mobilizar!
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