sábado, 12 de setembro de 2020

Mulheres e mães oprimidas e negligenciadas. Basta de violência obstétrica!

Por Juliana Melim, do MML ES


Das janelas reais ou das janelas virtuais que agora se abrem com mais frequência para uma parcela da população, assistimos ao crescimento dos contágios e das mortes provocadas pelo novo Corona vírus no Brasil e no mundo. No Brasil, nos aproximamos das 150 mil mortes oficiais. Em sua maioria corpos de mulheres, pretos e pobres.

 A ausência de uma política que implementasse quarentena geral com emprego e renda digna para toda população, gera nossa indignação frente à atuação do governo Bolsonaro com sua política econômica ultraliberal e sua postura de negação da ciência e descaso com as vidas. Nenhuma política séria de enfrentamento aos impactos sanitários, econômicos e sociais da pandemia. O Estado apresenta, sem máscaras, sua natureza de classe. No capitalismo, sua natureza burguesa, em defesa dos lucros. Enquanto isso as mortes aumentam. Números ganham nomes, rostos cada vez mais conhecidos.

 Não restam dúvidas que o contexto de pandemia agravou as desigualdades sociais, raciais, de gênero e orientação e identidade sexual já tão violentamente desenhadas em nosso país. No caso das mulheres trabalhadoras o desemprego, o aumento da violência doméstica e também da violência obstétrica ganham o triste destaque nas manchetes do mundo.

Dados do Sistema de Informação e Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), indicam que o Brasil passa de 200 mortes de mulheres grávidas ou no pós-parto por Covid 19. Esse número corresponde a cerca de 70% das mortes de gestantes e puérperas no mundo e fica mais grave ao sabermos que 22,6% dessas mulheres não tiveram acesso a um leito de UTI.

 Esses dados trazem ao centro do debate a necessária implementação das políticas sociais públicas destinadas ao atendimento das mulheres trabalhadoras nas suas mais diversas demandas sociais. Combater a mortalidade materna exige reflexões e ações no campo da política, da economia e da cultura. Ações capazes de promover o atendimento às especificidades das mulheres na sua condição de trabalhadora, de gestante e, em muitos casos, de mulheres que se encontram com toda responsabilidade pelos cuidados com os filhos.

Ser mulher no Brasil é um desafio histórico e cotidiano. O machismo, as desigualdades sociais, a violência, nos pune, nos abandona, nos mata. Sobretudo as mulheres negras. Além de todas essas expressões da exploração e da opressão, a maternidade, por se tratar, muitas vezes, de um papel socialmente imposto, idealizado e romantizado, também se apresenta como um desafio. As possíveis fases do ciclo reprodutivo transformam-se em risco de morte em um país extremamente desigual, machista e racista. O mais preocupante é que a maior parte das mortes maternas possuem causas amplamente conhecidas pela ciência e poderiam, facilmente, serem prevenidas ou tratadas.

Dados do Ministério da Saúde denunciam que entre 2000 e 2017, morreram, oficialmente, 29.983 mulheres por causas maternas. Se observarmos apenas o ano de 2017 identificaremos 1.718 óbitos maternos. Grande parte dessas mortes poderiam ter sido evitadas com a execução e o financiamento públicos de programas e serviços que garantissem acompanhamento pré-natal, assistência e acolhimento adequados combinados com políticas públicas que reduzissem as desigualdades: direito à educação, inclusive à educação sexual - por isso repudiamos todas as tentativas de aprovação de projetos como o Escola sem Partido. Direito ao trabalho protegido, por isso a necessidade de lutarmos pela revogação da “reforma” da previdência, da “reforma” trabalhista, da ampliação da Lei das Terceirizações, que atacam os direitos vinculados ao trabalho e deixam mulheres e homens da nossa classe jogados no desemprego, na informalidade e nos trabalhos cada vez mais precarizados. Direito ao saneamento básico e à política de saúde. Por isso, defender o SUS é uma pauta fundamental.

A maternidade precisa ser uma escolha consciente e livre das mulheres. E, caso se concretize, precisa contar com uma rede de políticas públicas que assegurem a vida da mãe e da criança. Todavia, sabemos que no Brasil a violação e negação dos direitos atingem, especialmente, as mulheres negras, indígenas, pobres, com baixa escolaridade e que, na triste maioria das vezes, possuem pouco ou nenhum acesso aos serviços de saúde. Negam-se exames básicos, consultas de pré-natal, negam um parto “humanizado” e livre de violência obstétrica, negam o acompanhamento da puérpera, negam a possibilidade de decidir interrromper, de maneira segura, a gravidez, quando nos vemos impossibilitadas ou não desejamos ser mães em determinado momento das nossas vidas.

Que possamos escancarar nossas janelas para entender essa realidade e adensar a luta das mulheres trabalhadoras, negando, agora sim, a sociedade dividida em classes e produtora das desigualdades e parindo, com nossas próprias mãos, uma outra sociedade livre de todas as mazelas.



Um comentário:

  1. Como enfermeira, professora, pesquisadora em Saúde do Trabalhador E defensora do SUS, me sinto contemplada com esse registro. Essa reflexão me REPRESENTA 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

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