Por Maria Costa, do MML- MG
Em cerca de 3
meses o Zika vírus deixou de ser um problema de saúde pública no Brasil para
ser decretado emergência de saúde pública de caráter internacional pela OMS. O
vírus espalhou-se com uma velocidade nunca vista antes para doenças
transmitidas por mosquitos.
Zika: uma doença com mais dúvidas que
certezas
A presença do Zika vírus foi confirmada no Brasil em
Maio de 2015. Menos de um ano depois, à data que escrevemos este artigo,
já se registrava a transmissão local do vírus em 36 países no mundo, dos quais
26 pertenciam ao continente americano. Nas palavras da diretora-geral da OMS o
vírus disseminou-se de forma explosiva e pode se transformar num problema de
saúde mundial.
Está comprovado
que o Zika se transmite pela picada do mosquito Aedes aegypti, tal como a dengue e a febre chikungunya. Existem
fortes evidências de que se transmita durante a gestação através da placenta
para o feto. Todas as restantes formas de transmissão são consideradas
possíveis, ainda não foram feitos testes suficientes para confirmá-las ou
descartá-las.
Já foram
comprovados alguns casos em que o vírus se transmitiu pelo sangue e por
relações sexuais. No entanto não se sabe se foram transmissões ocasionais ou se
pode ser transmitido assim sempre. Neste momento os Centros para Controle de
Doenças Americano (CDC) e Europeu (ECDC)
já admitem que possa haver transmissão sexual e aconselham o uso de camisinha
para prevenção da infecção por Zika. Recomendam também que sejam feitos testes
para detecção do vírus em sangue de doadores que vivem ou estiveram em regiões
com epidemia de Zika.
Recentemente a
Fiocruz comprovou a presença de vírus ativos, ou seja, com capacidade de
infectar, na saliva e urina de pacientes com Zika.
O outro fato que
aponta para a possibilidade de que não seja só o mosquito que transmita o Zika
é que está se disseminando em uma velocidade nunca vista antes, nem para a
chikungunya nem para a dengue. A dengue demorou quase 20 anos para se
disseminar pelas Américas. O Zika, em um ano já se disseminou por 26 países.
É possível diagnosticar a microcefalia e a
infecção pelo vírus Zika durante a gravidez?
Atualmente, o
método mais eficaz para diagnosticar a presença do vírus é mediante a detecção
do seu material genético no sangue no período que decorre a infecção. Também
pode ser detectado no líquido amniótico. A pesquisa de anticorpos é pouco
fidedigna porque gera reações cruzadas com os anticorpos contra a dengue (ou
seja, é detectado um anticorpo contra o Zika que na verdade é um anticorpo
contra a dengue).
O protocolo
estabelecido pelo governo preconiza a realização deste teste apenas quando há
suspeita de infecção pelo Zika: “Toda grávida, em qualquer idade gestacional,
com doença exantemática aguda, excluídas outras hipóteses de doenças
infecciosas e causas não infecciosas conhecidas”. Este critério é totalmente
insuficiente, pois 80% das infecções por Zika são assintomáticas. Para garantir
que o maior número de grávidas sejam diagnosticadas, deve ser feito o teste de
detecção do vírus no primeiro trimestre de gestação (até 12 semanas) e no
segundo (até 20 semanas), juntamente com a pesquisa de anticorpos para o vírus.
Não se sabe quanto tempo o vírus permanece na corrente sanguínea e é possível
que, mesmo com a realização desses exames, a infecção não seja detectada. Ainda
assim, com certeza seria identificado um número muito maior de grávidas em
risco do que o atual protocolo do governo permite. Se, entretanto, forem
descobertos outros métodos de diagnóstico mais fidedignos, então estes devem
ser utilizados.
A ultrassonografia
(USG) morfológica só tem detectado a microcefalia nos fetos após a 28ª semana
de gestação. No entanto a análise do líquido amniótico para detectar a presença
do vírus pode ser feita muito mais cedo na gestação, em casos suspeitos, ou se
a grávida desejar. Este é um exame que ainda não se tem certeza se detecta
todos os casos de infecção e que apresenta risco muito pequeno de provocar um
aborto. Ainda assim, se a mulher desejar fazê-lo deve ter esta opção.
A obstetra
Adriana Melo, de Campina Grande (PB) especialista em medicina fetal foi a
primeira a identificar o Zika em gestantes com fetos com microcefalia, segue
acompanhando gestantes com Zika e refere que “diagnóstico mais precoce que fiz
foi com 20 semanas, e, quando começaram as alterações, a grávida estava com 16
semanas.”. É necessário aprofundar as investigações para detectar se de fato há
alterações no desenvolvimento fetal que permitam o diagnóstico da síndrome Zika
mais precocemente na gravidez.
Mas, se a
microcefalia não tem cura e se nem todos os casos podem ser diagnosticados
durante a gravidez, para que realizar tantos exames? A resposta é simples: para
que as mulheres grávidas tenham acesso a toda a informação possível sobre o
estado de saúde do feto e sobre qual o risco de que nasça com microcefalia,
para que assim possam decidir se querem ou não levar a gravidez até o fim.
Que as mulheres trabalhadoras e famílias possam
escolher
O ECDC e o CDC
estão a aconselhar as mulheres grávidas a não viajar para países com epidemia
de Zika. Fica a pergunta, qual o conselho a dar às mulheres que vivem nesses
países? Os únicos conselhos dados atualmente pelo governo brasileiro às
mulheres grávidas são: “O Ministério da Saúde
orienta as gestantes adotarem medidas que possam reduzir a presença do mosquito
Aedes aegypti, com a eliminação de criadouros, e proteger-se da exposição de
mosquitos, como manter portas e janelas fechadas ou teladas, usar calça e
camisa de manga comprida e utilizar repelentes permitidos para gestantes.[1]”
O governo coloca
a responsabilidade nos trabalhadores, por um lado responsabilizando-os por
eliminar os focos de multiplicação do mosquito por outro aconselhando as
grávidas a que se protejam do mosquito.
Por mais que
tomem todos esses cuidados, não é possível garantir não vão sofrer nenhuma
picada de mosquito durante os 9 meses de gestação. A situação pode ser mais
incontrolável ainda se de fato o vírus se transmitir por relações sexuais ou
pela saliva. Ou seja, todas as mulheres grávidas neste momento, por mais
cuidadosas que sejam, correm risco real de serem infectadas pelo vírus Zika e
terem um filho com síndrome de Zika congênita.
Na prática a
maioria dos médicos está a aconselhar as mulheres a não engravidar agora. A
pergunta que fica é como??? Como garantir não engravidar num país em que a
distribuição de contraceptivos gratuitos é tão deficiente? Onde pouquíssimas
mulheres têm condição econômica de ter acesso à contracepção que não exige ser
tomada diariamente e que, por isso, é muito mais segura (anel vaginal, adesivos
cutâneos, DIU hormonal e de cobre)?
O governo segue
dizendo: “Não há uma recomendação do Ministério da Saúde para evitar a
gravidez. As informações estão sendo divulgadas conforme o andamento das
investigações. A decisão de uma gestação é individual de cada mulher e sua
família”
Deveria ser uma
decisão individual de cada mulher e sua família, mas não é! A mulher com uma
gravidez indesejada não pode tomar mais nenhuma decisão. O Estado já tomou por
ela proibindo o aborto.
Mesmo que se
tenha acesso aos melhores contraceptivos, nenhum deles é 100% seguro, inclusive
quando são usados corretamente falham e podem ocorrer gravidezes indesejadas.
Acreditamos que agora, mais do que nunca, é fundamental que as mulheres possam
escolher se querem ter um filho, correndo o risco de ser infectadas pelo Zika,
ou se não querem correr esse risco, e nesse caso devem ter acesso a realizar um
aborto no SUS, gratuito e em segurança.
O Alto Comissário
de Direitos Humanos da ONU, Zeid Al Hussein, apelou a países afetados pelo
vírus que permitam que mulheres tenham acesso a métodos contraceptivos e ao
aborto.[2]
Não se trata de
permitir o aborto pois na verdade ele já é realizado em todos os países da
América Latina, trata-se de que todas as mulheres tenham acesso a um aborto
seguro e gratuito, porque hoje as mulheres ricas fazem-no em segurança pagando
entre 5 a 15 mil reais por procedimento. O responsável pela identificação do
primeiro caso de zika no Brasil e um dos primeiros a apontar a relação do vírus
com aumento de casos de microcefalia, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz,
Kleber Luz, não pensa duas vezes ao afirmar “As mulheres vão abortar, com
autorização legal ou não”, avaliou. “E isso vai acontecer com mulheres de todas
as faixas sociais.”[3]
Trata-se de garantir que as mulheres trabalhadoras tenham acesso à realização
de um aborto em segurança e gratuitamente no SUS e não coloquem a sua vida e
saúde em risco.
Por outro lado,
consideramos que as mulheres e famílias que desejarem ter filhos devem ter
todas as garantias do Estado de ter acesso aos melhores tratamentos e
acompanhamento de saúde e educacional. Para além disso é necessário garantir um
subsídio digno às famílias e estabilidade no emprego, tal como disse Angela
Rocha, chefe do serviço de infectologia pediátrica do Hospital Universitário
Oswaldo Cruz de Recife, “é necessário garantir que pais e cuidadores não tenham
uma queda muito significativa nos rendimentos. Isso porque a rotina de
tratamento desses bebês é intensa. Pais terão de levá-los às consultas muitas
vezes durante o horário de trabalho.”[4]
As consequências
do Zika prejudicam muito mais as mulheres trabalhadoras e pobres pois estão
condenadas ou a abortar colocando em risco a sua vida e saúde ou a criar um
filho com malformações sem apoio nenhum do estado, já as mulheres ricas têm
esses tratamentos garantidos para os seus filhos e se quiserem podem abortar
com segurança.
Programa da classe trabalhadora para a
epidemia de Zika
No Brasil, a
epidemia de Zika surge num momento de crise econômica em que o centro da
política do governo Dilma/PT tem sido pôr os custos dessa crise nas costas dos
trabalhadores. Os cortes no orçamento têm afetado essencialmente as áreas
sociais, a saúde e a educação. A crise do SUS no estado do Rio é um dos
exemplos da situação de caos e sucateamento em que se encontra o SUS.
O alerta para
esta situação é dado pelos próprios profissionais de saúde, o diretor de uma
escola de Saúde Pública da Fiocruz, Hermano Castro. “A saúde não pode ser penalizada
com cortes, sob pena de termos uma crise sanitária com repercussão nos próximos
trinta ou quarenta anos”10,
Dizemos mais,
não basta que não haja mais cortes na saúde pública, é necessário um
investimento de emergência, é necessário que 10% do PIB seja investido no SUS e
que seja feito um orçamento de emergência para resposta ao Zika. Neste momento
já são as famílias trabalhadoras mais pobres que mais sofrem com esta epidemia
pois são as que vivem em áreas sem saneamento básico e com mais concentração do
mosquito. Também são as famílias trabalhadoras que têm menos acesso a cuidados
de saúde.
Para além disso
tem que terminar de imediato os cortes de orçamento na educação pública que
estão a deixar as universidades públicas à beira da falência, completamente sem
recursos o que impossibilita que estas se dediquem a investigar os mecanismos
pelos quais o vírus causa doença e o desenvolvimento de uma vacina.
Exigimos:
1. Colocar em
prática, desde já, um plano consequente para o combate ao Aedes aegypti, com
medidas com efeito a curto e longo prazo, que passam por contratação massiva de
agentes de saúde para a eliminação de focos de reprodução do mosquito, limpeza
de descampados especialmente nas áreas urbanas, eliminar todos os lixões a céu
aberto, construção de rede de esgoto e saneamento básico em todas as cidades e
que sirvam a toda a população.
2.
Disponibilização de todos os recursos financeiros necessários para a pesquisa
científica, em instituições estatais, sobre o vírus Zika, síndrome zika
congênita e para o possível desenvolvimento de uma vacina.
3. O governo
deve distribuir gratuitamente repelentes de qualidade e mosquiteiros para toda
a população, mas de forma prioritária às mulheres grávidas.
4.
Disponibilização dos melhores tratamentos gratuitos para as crianças com
microcefalia e outras malformações congênitas. O governo deve fornecer um
subsídio que garanta que as famílias tenham todas as condições econômicas de
criar os seus filhos com dignidade. Garantia de estabilidade no emprego para
todos os pais e mães de crianças com microcefalia e outras malformações
congênitas.
5. Fornecimento
gratuito a todas as mulheres em idade reprodutiva de todos os contraceptivos
disponíveis, em especial os que não necessitam ingestão diária e que por isso
tornam-se mais seguros (anel vaginal, adesivos cutâneos, implante subcutâneo,
DIU hormonal e de cobre).
6. Aborto legal
e gratuito no SUS para todas as mulheres que não desejarem engravidar.
7. Todas as
grávidas que não tiverem sintomas devem fazer o teste para saber se estão
infectadas com o vírus Zika no primeiro e segundo trimestre de gestação. No
caso de dúvida, as mulheres que desejarem devem poder realizar a detecção do
vírus no líquido amniótico.
8. Para que
possa ser dado o melhor atendimento à classe trabalhadora e em especial às
grávidas neste momento, exigimos o fim do financiamento de empresas de saúde
particular e planos de saúde! 10% do PIB para o SUS já! Estatização das grandes
empresas e planos de saúde!
9. Fim do
pagamento da dívida aos banqueiros para criar um investimento emergencial para
o SUS e para a investigação científica em instituições públicas.
10. Para
garantir que essas medidas sejam de fato aplicadas, é necessário lutar por um
governo socialista dos trabalhadores, sem patrões.
[1]
http://combateaedes.saude.gov.br/noticias/320-ministerio-da-saude-investiga-3-852-casos-suspeitos-de-microcefalia-no-pais
[2]
http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,contra-microcefalia-onu-recomenda-liberar-aborto-na-america-latina,10000015136
[3]
http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,vao-abortar--com-autorizacao-legal-ou-nao,10000015759
[4]
http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,medica-fala-em-geracao-de-sequelados,1807413
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