quarta-feira, 5 de abril de 2017

O caso de Adriana Ancelmo e a farsa da igualdade perante a lei

Por Adriana Brito, Assistente Social e militante do MML/SP

A Constituição Federal brasileira de 1988, apesar de fundamentar-se no princípio da Igualdade de todo cidadão perante a Lei, não é aplicada assim no cotidiano, já que tal igualdade contraditoriamente reproduz desigualdades. Recentemente pudemos constatar isto por meio da soltura de Adriana de Lourdes Ancelmo, ex-primeira dama do estado do Rio de Janeiro, que teve sua prisão preventiva decretada por envolvimento em crimes tais como: lavagem de dinheiro, corrupção, entre outros, assim como seu marido, o ex-governador Sergio Cabral. 
 
Adriana foi presa em 6 de dezembro do ano passado e em 17 de março, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, substituiu sua prisão preventiva por prisão domiciliar. A decisão teve como base uma norma do Código de Processo Penal que permite a mudança de regime de mulheres que tenham filho de menos de 12 anos e estejam cumprindo prisão preventiva. Adriana tem dois filhos, de 11 e 14 anos.
 
O Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, que abrange os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, suspendeu a prisão domiciliar, após pedido do Ministério Público Federal. No entanto, no dia 24 de março, o Superior Tribunal de Justiça (SJT), por meio da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, concedeu liminar restabelecendo a decisão inicial de prisão domiciliar.
 
Mesmo se apoiando no argumento de que estava apenas corrigindo um erro recursal do MPF, a decisão da Ministra demonstra na vida real o caráter de classe da justiça brasileira que não tem a mesma eficiência quando se trata das mulheres pertencentes à classe trabalhadora mais empobrecida. Quando encarceradas nos inúmeros Centros de Detenção Provisórios que constituem também o sistema de encarceramento brasileiro, muitas chegam a permanecer mais de um ano aguardando a primeira audiência.  Mas no caso de Adriana Ancelmo, a ministra concedeu a liminar de Paris por meio de assinatura digital, numa velocidade que só funciona para a burguesia. Aliás, essa mesma ministra negou um pedido feito no ano passado pela defesa de uma mulher – mãe de duas crianças – presa em flagrante com porte de drogas.
 
Com uma população carcerária de aproximadamente 607 mil pessoas, o Brasil ocupa o 4ª lugar no ranking mundial dos países que mais encarceram no mundo. No que diz respeito às mulheres, conforme noticiado na página do CNJ – Conselho Nacional de Justiça[1], entre os anos de 2000 a 2014, a população carcerária feminina passou de 5.601 para 37. 380. Portanto, houve um crescimento de 567% em 15 anos.
 
Com toda certeza a grande maioria das mulheres presas não gozam dos mesmos privilégios que Adriana, advogada, moradora de uma das regiões mais elitizadas do Rio de Janeiro: Leblon. Muitas das trabalhadoras encarceradas sequer sabem escrever o próprio nome ou tem entendimento sobre os elementos jurídicos dos quais podem se valer para recorrer a sua defesa. Não têm advogados que possam trabalhar para assegurar sua defesa, pois apesar do sistema garantir defensores públicos ou, na falta desse, providenciar advogados, muitas vezes a encarcerada o conhece apenas no momento da audiência. Além disso, muitas delas não sabem nem os motivos que as levaram a estarem presas, pois seus companheiros as envolvem em atividades ilícitas sem que elas se deem conta e quando a polícia chega, ela entra na situação como cúmplice. 
 
Enquanto Adriana usufrui dos seus privilégios de classe, mesmo após receber acusação de crimes como lavagem de dinheiro público, as demais mulheres pertencentes à classe trabalhadora empobrecida, em sua grande maioria, negras, moradoras das periferias dos grandes centros urbanos, continuam presas, longe de seus filhos que, muitas vezes, nunca mais têm contato. 
 
Assim se constitui o Sistema Carcerário brasileiro como uma das instituições políticas responsáveis pela manutenção e reprodução das desigualdades entre as classes sociais e ao mesmo tempo também como um meio de controlar a luta de classes.
 
Frente a essa expressão da barbárie social, nós do Movimento de Mulheres em Luta (MML), nos colocamos na defesa de uma justiça que garanta condições iguais de julgamento e recuperação social. Sabemos, porém, que essas condições não são possíveis na sociedade capitalista que se beneficia do sofrimento e miséria de muitos para manter os lucros e privilégios de poucos.
 
Por isso, contra todas essas desigualdades, é necessária a luta unificada de mulheres e homens da classe trabalhadora que derrote todas as tentativas de retirada dos nossos direitos e que inverta a lógica presente na sociedade, colocando como prioridade as demandas sociais e não o lucro.
 
Por condições de vida e sobrevivência dignas! Por um sistema de recuperação social não excludente e anti-racista! Por uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária, uma sociedade socialista!
 
 




[1] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80853-populacao-carceraria-feminina-aumentou-567-em-15-anos-no-brasil

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