Ao
longo de todo o fim de semana acompanhamos indignadas o caso de uma criança de
10 anos que, desde os 6, sofria abuso sexual do tio. A violência só foi
descoberta porque a mesma engravidou e precisou de atendimento médico.
Em
nosso país, segundo o 13º anuário de segurança pública, no ano de 2018
ocorreram mais de 180 estupros por dia, sendo que 54% das vítimas tinham idade
até 13 anos. Esses números evidenciam que há tempos faltam políticas públicas e
investimento consequente para preservar meninas e mulheres. Mas também refletem
como a reprodução do machismo e a naturalização da violência são muito intensos
em nossa sociedade e, com o discurso de ódio impulsionado pelo presidente do
país e seus apoiadores, tem ficado ainda pior.
Um ciclo cruel de violações
Mesmo
com a gestação já avançada e todos os órgãos competentes tendo conhecimento do
risco a vida da menina, caso a gravidez fosse mantida, o procedimento de
aborto, previsto em Lei para esses casos, foi condicionado à determinação
judicial.
Após
forte repercussão na mídia e nas redes sociais, a decisão judicial garantiu o direito
de fato para a interrupção da gestação. Contudo, o serviço de referência em seu
estado, o Hospital Universitário
do Espirito Santo (HUCAM), negou-se a realizar o procedimento
alegando a falta de um protocolo para gestações acima de 22 semanas. Com essa
decisão, o serviço de saúde, ligado a uma instituição pública de ensino,
responsável pela formação acadêmica de vários profissionais de saúde, expôs a
criança a mis uma rodada de violência e agressão.
Diante
da negativa, a criança foi levada em sigilo para outro estado no intuito de por
fim a tamanho sofrimento. Contudo, por vias ainda desconhecidas, a ativista de
extrema direita, Sara Winter, tornou público o nome da criança e o hospital ao
qual foi encaminhada, incitando que fundamentalistas religiosos se dirigissem
ao local para evitar o procedimento médico.
Sara
Winter, que recentemente foi presa por fazer parte da rede de compartilhamento
de Fake News ligada a seu grupo politico-ideológico e que não tem problema em
postar fotos com armas e defender a premissa de que “bandido bom é bandido
morto”, não mediu esforços para agredir e violentar ainda mais a criança
envolvida no caso.
O
resultado foi a aglomeração de vários ativistas religiosos ensandecidos,
tentando invadir o hospital, negando passagem para outras mulheres grávidas em
trabalho de parto, que precisaram ter seus filhos nas ambulâncias, acusando de
assassinato tanto os profissionais quanto a menina vítima do abuso.
Diante
da realidade caótica que vivemos no país, com mais de 100 mil mortes por conta
da pandemia do coronavírus, com mais da metade da população economicamente
ativa desempregada, esse tipo de situação evidencia que a polarização política
que vivemos não tem nada a ver com uma luta de “bem contra o mal”, mas esses
setores defendem a completa retirada de diretos da classe trabalhadora: sejam
os trabalhistas, os sociais e os democráticos.
Tratar o aborto pelo que ele é: uma
questão de saúde pública
No
Brasil, todos os anos, estima-se a realização de 950 mil a 1,2 milhão de
abortos, entre 2008 e 2017 cerca de 2,8 milhões de mulheres foram internadas
com complicações por conta da prática clandestina de aborto, sendo esta a quarta
causa de morte materna em nosso país.
Outras
pesquisas evidenciam que essas mulheres, em sua maioria, tem religião, são
casadas e tem outros filhos, ou seja, não se encaixam no padrão falsamente
alardeado por setores contrários a legalização do aborto, de que se trata de um
interesse de mulheres com comportamento irresponsável e promíscuo.
Independente
do preceito religioso ou moral de cada indivíduo, as leis e politicas públicas
devem servir a toda a população, por isso é fundamental a laicidade do Estado.
Independente da aprovação individual, milhares de mulheres realizam aborto e
essa realidade não pode ser negada. Por ser um tema tão importante, é que não
podemos permitir nenhum retrocesso nos já poucos direitos conquistados nesse
campo.
O
aborto é legal no Brasil em casos de gravidez fruto de violência sexual, em
casos de risco a vida mulher e no caso de fetos anencéfalos (que não
desenvolveram o cérebro). Entretanto, as mulheres seguem sendo oprimidas e
criminalizadas mesmo nesses casos. Precisam repetir diversas vezes a situação
do abuso, são mal tratadas por profissionais de saúde, são cobradas exigências
ilegais como ter o boletim de ocorrência ou determinação judicial para realizar
o procedimento.
Vale
dizer que toda essa pressão recai sobre as mulheres pobres e trabalhadoras, uma
vez que é possível fazer um aborto seguro pagando entre R$ 5 a 10 mil Reais em
clínicas clandestinas pelo país. Ou mesmo, é comum as mulheres ricas viajarem
para outros países para realizar o procedimento.
Enquanto
que nos serviços públicos reina a ignorância e a intolerância, combinadas com a
falta de investimento e sucateamento dos serviços. Um levantamento organizado
pela artigo 19, em parceria com a revista azmina e Gênero e número, aponta que
apenas 55% dos hospitais que atendem mulheres vítimas de violência para
realização do aborto legal, estão em funcionamento durante o período da
pandemia. Contudo, essa restrição de acesso ao serviço é anterior ao período da
pandemia. No ano de 2019, 176 hospitais constavam na lista de aptos a realizar
o atendimento, mas na pratica apenas 76 estavam funcionando.
Pela vida das mulheres! Não ao
fundamentalismo religioso! Exigimos políticas publicas para as mulheres!
A
combinação da pandemia com a crise econômica tem aprofundado as mazelas do
capitalismo no país e no mundo. Os setores oprimidos da classe trabalhadora são
os mais penalizados. Aumentaram os casos de violência doméstica e feminicídios;
as mulheres são as mais afetadas com as demissões e aumento da miséria; as empregadas
domésticas, em sua maioria mulheres negras, são obrigadas a seguir trabalhando
para manter o conforto da burguesia racista e parasita; dentro de casa também
aumenta a jornada de trabalho com o cuidado com as crianças e os serviços de
limpeza; a população LGBT também enfrenta a violência e a opressão dentro de
casa.
Enquanto
setores de ultra direita, que apoiam o projeto genocida de Bolsonaro, se
manifestam contra uma menina de 10 anos, fecham os olhos e se calam para a
falta de investimento desse governo em políticas de combate a violência
machista. No ano de 2019 foram R$ 0,00 centavos para os serviços de assistência
as vítimas e esse ano, menos de 10 % do valor destinado a pasta foi utilizado,
mesmo com os números crescentes de violência.
Damares
Alves, que atuou para pressionar a criança a seguir com a gravidez, também é
conivente com a falta de investimentos e, mais do que isso, com o discurso de
ódio do presidente contra as mulheres trabalhadoras e pobres e com o uso do
machismo por ele como arma política.
Por
isso, nós do Movimento Mulheres em Luta, afirmamos que só avançaremos em nossas
lutas colocando para fora a chapa
Bolsonaro/Mourão e todos aqueles que apoiam esse projeto genocida, opressor
e de exploração.
Exigimos punição ao estuprador e
não a vítima! Exigimos apuração e punição a todos os envolvidos na quebra do
sigilo das informações da vítima!
Prisão para Sara Winter! Essa
violência não pode ficar impune!
Basta de violência machista!
Suspensão do pagamento da dívida pública e investimento nas políticas para
mulheres!
Pela vida das mulheres!
Descriminalização e legalização do aborto já!
Por uma sociedade socialista na
qual nenhuma menina ou mulher seja vítima de violações!
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