Desde
o final de Agosto, quando a jovem Jandira sumiu após ter saído para
uma clínica clandestina de aborto no Rio de Janeiro, esse tema
ganhou espaço nos meios de comunicação. O caso trouxe a tona uma
realidade bastante conhecida pelas mulheres, mas sobre a qual pouco
se fala ou pouco se ouve:a prática do aborto e os riscos enfrentados
pelas mulheres.
As
inúmeras reportagens e entrevistas poderiam então ter cumprido um
papel importante de esclarecimento e na evidencia do problema.
Contudo, o que acompanhamos foi mais um conjunto de deturpações
sobre a sexualidade feminina, sobre as condições reais para exercer
a maternidade e, consequentemente, a criminalização das mulheres
que praticam o aborto.
Antes
de considerarmos as crenças e valores individuais, seria bom
localizarmos alguns dados que são comuns a toda a população, em
especial as mulheres pobres e trabalhadoras.
No
Brasil, estima-se que cerca de 1 milhão de abortos clandestinos são
realizados por ano. Isso leva a 250 mil internações para tratamento
de complicações em decorrência de abortos realizados em condições
inseguras e precárias. O aborto é a quinta causa de morte materna,
no país. A cada dois dias uma brasileira morre por aborto inseguro.
A
Pesquisa Nacional de aborto, iniciada em 2010, por professores da UNB
entrevistou 2.002 mulheres da região urbana do Brasil, alfabetizadas
e com idade entre 18 e 39 anos. O resultado foi que uma em cada cinco
brasileiras já realizou um aborto. Dentre essas 175 são católicas,
72 evangélicas e 49 de outra religião ou sem religião. Outra
evidencia foi a de que as mulheres negras estão mais suscetíveis
aos riscos e sequelas de práticas clandestinas de aborto.
Por
outro lado, se pegarmos os indicadores dos aspectos sociais,
econômicos e emocionais para a mulher exercer a maternidade em nosso
país, veremos que estes também são desesperadores. As mulheres
representam 70% da população pobre do mundo, No Brasil 90% delas
vive com renda que não ultrapassa 03 salários mínimos. Está para
as mulheres a maior taxa de desemprego com 8,7%, enquanto que para os
homens é de 5,9%. As creches públicas para crianças entre 0 e 3
anos atende menos de 25% da demanda e hoje as mulheres já são
responsáveis sozinhas por 37,3% das famílias. Em 2012, foram
efetuados 50,6 mil registros de casos de estupros, ou seja, um
estupro a cada 10 segundos ocorreram no país.
Estes
dados deixam evidente que o cotidiano das mulheres trabalhadoras e
pobres não apresenta muitas escolhas. Nesse sentido, os motivos que
levam uma mulher a praticar um aborto são muito mais profundos e
criminalizá-la por essa pratica é negar-lhe mais uma vez o direito
de decidir sobre seu corpo e de ter condições para exercer a
maternidade.
A
experiência de outros países demonstra que o problema é de saúde
pública
Tanto
em Portugal quanto no Uruguai onde o aborto foi descriminalizado, as
pesquisas apontam que não houve um crescimento nos casos de aborto
praticado nesses países, mas sim diminuiu os riscos a que as
mulheres eram submetidas e também diminuiu a reincidência da
pratica, a partir da orientação quanto aos métodos contraceptivos
e planejamento familiar. Em Portugal cuja lei de despenalização
vigora há sete anos houve diminuição dos casos de aborto entre as
mulheres jovens. Também o número de licenças por interrupção de
gravidez teve seu menor índice em 2012. Em
2005, antes da aprovação da lei, foram atribuídas 4617 licenças,
em 2012 este número desceu para 4416.
Já
no Uruguai, que tem a lei de descriminalização há 01 ano, não foi
notificada a morte de nenhuma mulher que passou pelo procedimento e
somente 50% dos casos teve alguma complicação. A estimativa é que
os números de aborto também diminuam nesse país, esse dado ainda
não é possível de constatar porque não havia registro oficial dos
casos de aborto, no país. Entre as adolescentes as taxas foram as
mais baixas, girando em torno de 18%.
Essas
experiências são exemplo de que o tema deve ser tratado como um
problema de saúde pública e que o debate, não passa por
impulsionar o aborto como principal método contraceptivo, pelo
contrário, passa justamente por garantir um conjunto de medidas como
educação sexual, acesso gratuito e fácil aos contraceptivos e
aborto seguro para evitar sequelas e mortes das mulheres.
Enquanto
a lei é retrograda, o lucro só avança!
No
Brasil, entretanto, temos uma das legislações mais retrogradas em
relação à garantia das mulheres sobre o seu corpo e o direito de
acesso à atenção de saúde. E mesmo o mínimo garantido, como a
autorização para realizar o aborto em caso de estupro ou fetos
anencéfalos, tem sido ameaçado pela ofensiva da bancada
conservadora do congresso. Projetos como o do estatuto do Nascituro,
que pressiona a mulher a ter o filho gerado a partir de uma violência
sexual, ou a proibição de incluir na nomenclatura do SUS tais
procedimentos já autorizados em lei, são exemplos claros disso.
Infelizmente,
o governo do PT, com a primeira mulher presidente do país, fez a
opção de rifar os direitos das mulheres e calar-se diante desta
brutal realidade, em troca de favores políticos e acordos de cúpula.
Desde a carta ao povo de Deus que Dilma publicou em 2010, até a sua
declaração na campanha eleitoral recente de que [em relação ao
tema do aborto] cumpriria o que está na lei, esse governo deixa
claro que não tem compromisso com as milhares de mulheres que morrem
todos os anos em nosso país.
Enquanto
as mulheres são perseguidas e culpabilizadas, as clínicas
clandestinas seguem lucrando alto. Em Todo o país, esses
estabelecimentos não cobram menos de R$3 mil para realizar o
procedimento, considerando-se que quanto mais barato, mais precário
o atendimento e maiores os riscos para as mulheres. Logicamente que o
inverso também é verdadeiro, as mulheres ricas que podem pagar até
R$7 mil reais em um procedimento, recebem o melhor atendimento e não
são expostas a situação de humilhação ou constrangimento por sua
decisão.
Os
números de abortos praticados no país, combinados com essa
diferença de atendimento a partir da questão econômica, demonstram
a hipocrisia que ronda o debate sobre a descriminalização e
legalização do aborto. Pois, tal prática é uma realidade cuja
penalização só recaí sobre as mulheres da classe trabalhadora e
das camadas mais pobres da população.
Em
defesa da vida das mulheres, pela descriminalização e legalização
do aborto!
Por
isso, para nós do Movimento Mulheres em Luta, o papel que a mídia
vem cumprindo em relação à forma como apresenta as informações
sobre esse tema é nefasto e inaceitável. As opiniões unilaterais e
tendenciosas que são veiculadas, não ajudam a compreender todo o
conjunto de elementos que estão relacionados com o tema do aborto.
Por exemplo, em setembro, temos um dia latino-americano e caribenho
pela descriminalização do aborto. Em várias cidades, diversos
movimentos feministas foram às ruas denunciar as mortes de mulheres
e exigir respostas do governo federal. Nenhuma matéria veiculada
pelas grandes redes de comunicação do país mostraram essas
manifestações, tão pouco suas pautas de reivindicação.
Seguiremos
nessa luta, dialogando com a classe trabalhadora e a população em
geral, para romper essa barreira e levantar a bandeira pela defesa da
vida das mulheres e pelo fim de sua opressão.
Educação
sexual para prevenir, acesso fácil a contraceptivos para não
abortar, Aborto legal e seguro para não morrer!
Não
ao Bolsa Estupro! Pelo arquivamento do PL 478/07 (Estatuto do
Nascituro)!
(Arte: Rafael Werkema)
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