Vitória do movimento de mulheres. Por não ter sido votada no Congresso até o dia 31 de maio, a Medida Provisória 557/11 que instituía o Sisprenatal perdeu a validade demonstrando que através da luta é possível derrotar o governo.
Érika Andreassy, do ILAESE (Instituto Latino Americano de Estudos Sócio-Econômicos)
No dia 31 de maio último perdeu a validade a MP 557/2011, que tratava do Sisprenatal. Editada pelo Governo Dilma em 26 de dezembro de 2011, a Medida Provisória visava, entre outras coisas, instituir o cadastro compulsório de gestantes, permitindo que a lista de todas as mulheres grávidas ficasse disponível em um banco de dados para possível consulta, além de prever a divulgação das beneficiadas com o auxílio-transporte ao pré-natal.
A justificativa era reduzir a mortalidade materna através de um mecanismo que supostamente garantisse a saúde da mulher e do feto. A consequência: o aumento do controle sobre as mulheres, sobretudo às gestantes, dando margem à aprovação do Estatuto do Nascituro, que tramita no Congresso Nacional. O nascituro é o nome dado ao feto, ou seja, aquele que ainda está para nascer. O Estatuto do Nascituro quer garantir o direito civil do nascituro acima do direito daquele que o gesta, o que é um absurdo.
Importante lembrar que, desde a edição da medida, os movimentos feministas e entidades de classe, principalmente ligadas à saúde e aos direitos humanos, iniciaram um intenso debate e mobilização buscando impedir sua aprovação por entender que, ao contrário do que se havia proposto, a MP de fato não contribuía para a redução da mortalidade materna.
Mortalidade Materna
Hoje, o principal problema relacionado à mortalidade materna é a falta de qualidade dos serviços e do atendimento prestado às gestantes. O acesso ao pré-natal não se dá de maneira adequada, conforme previa a implantação do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) em 1984 e sua atualização em 2004 através da Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PNAISM), cuja proposta trouxe os conceitos da saúde formulados pelo movimento dos trabalhadores há cerca de 30 anos.
Desta forma, a MP 557 continha vários problemas, além de não fazer nenhuma referência à questão do aborto, considerado um dos principais problemas de morte entre gestantes no Brasil pelo próprio Ministério da Saúde.
Outro grave problema em relação ao conteúdo da Medida Provisória era a destinação de recursos da saúde para uma ação típica de assistência social, o financiamento do “bolsa pré-natal”, exatamente em um momento em que se está lutando para o aumento dos investimentos na saúde através da aplicação imediata dos 10% da receita corrente bruta para o SUS.
Além disso, ao trazer em seu texto inicial a figura do nascituro, representava um grave retrocesso aos direitos das mulheres, ao inviabilizar o atendimento daquelas que tivessem decidido voluntariamente interromper a gravidez, inclusive nos casos permitidos por lei, além de violar o direito à privacidade e ao sigilo das mulheres. A questão era tão gritante que a própria presidente Dilma, após muita pressão, reconheceu o erro e retirou do texto o artigo. Essa mudança representou a primeira vitória do movimento, mas ainda era insuficiente, era necessário derrotar a MP de conjunto.
A luta fez o governo retroceder
Foi nesse marco que os vários movimentos de mulheres protagonizaram uma verdadeira campanha contra a MP e que deram fim a esta, numa jornada que contou com inúmeras manifestações públicas, atos, mobilizações através de redes sociais, notas de repúdio, reuniões com membros do governo federal, parlamentares e com o Conselho Nacional de Saúde e Comissão Intersetorial de Saúde da Mulher, demonstrando a disposição de luta para não abrir mão dos direitos conquistados nesses anos com muito esforço pelas mulheres. O Movimento Mulheres em Luta, filiado à CSP-Conlutas, denunciou constantemente a medida e foi às ruas no último 8 de março exigir sua revogação.
É por isso que a não votação da Medida Provisória 557/2011 e sua consequente perda de validade deve ser encarada como uma vitória do movimento, e de todos os outros setores que lutaram para esse resultado.
É preciso seguir lutando
Mas é preciso não baixar a guarda. Precisamos nos manter alertas porque segue tramitando no Congresso Nacional outros projetos tão ruins e ameaçadores para as mulheres quanto a MP 557/11, incluindo o Projeto de Lei 478/07 que trata do Estatuto do Nascituro, cuja autoria é da tropa de choque da direita mais conservadora do Congresso e que reúne praticamente todas as propostas contra o direito ao aborto no país. Na mesma semana em que a MP do governo foi arquivada, este Projeto recebeu um parecer favorável à sua aprovação na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e pode ser colocado em votação a qualquer momento.
A exemplo do que ocorreu com a MP 557/2011 é importante acompanhar de perto toda a movimentação em torno do Projeto de Lei 478/07 e realizar uma ampla campanha para demonstrar todo nosso repúdio a projetos que tenham por objetivo o controle das mulheres, e representem retrocesso e ataques a seus direitos garantidos.
Mais que isso, é necessário introduzir na pauta de discussões nacionais o tema da descriminalização e legalização do aborto e desenvolver uma intensa jornada de lutas para garantir esse direito às mulheres brasileiras. Somente assim, poderemos evitar grande parte da mortalidade materna em nosso país.
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