sexta-feira, 13 de março de 2015

Movimento Mulheres em Luta: construindo o feminismo de esquerda e classista.


Artigo de Priscila Souza de Carvalho e Patrícia Vieira Trópia

“(...) o Brasil governado por Dilma, primeira mulher eleita presidente em nossa história, está longe de defender políticas que atendam realmente as necessidades das mulheres. “Não basta ser mulher, é preciso ter um programa que defenda a classe”, Ana Pagamunici, integrante do MML. CSP-Conlutas, 2012).

O depoimento de Pagamunici coloca em evidência um dos principais objetivos do Movimento das Mulheres em Luta (MML): politizar a mulher trabalhadora.O horizonte político do MML não se restringe a incorporar as mulheres aos sindicatos e aos movimentos sociais,mas torná-las protagonistas nas lutas de sua classe de origem[3]. Enquanto movimento, propõe a articulação das bandeiras e das pautas das mulheres a um programa político mais amplo.

A trajetória do MML se inicia em 2003, durante o processo de mobilização e organização da frente de sindicatos e movimentos populares que compuseram a Coordenação Nacional de Lutas. Naquela ocasião, o debate em torno da opressão, da exploração e das desigualdades vividas pelas mulheres trabalhadoras esteva em pauta. Esta pauta das mulheresfoi inicialmente construída por meio de um Grupo de Trabalho de Mulheres (GT Mulheres) que se articulava aos outros GTs temáticos responsáveis pela elaboração de uma agenda política classista.


       Em 2006 quando é aprovada a transformação da Coordenação Nacional de Lutas em central sindical, o GT Mulheres inicia um processo de mobilização e organização do I Encontro das Mulheres da Conlutas que ocorreria dois anos depois, de 19 a 21 de abril de 2008, quando seriam debatidas as posições políticas das mulheres que seriam levadas para o I Congresso da Conlutas – em julho de 2008 na cidade de Betim. Neste momento mais de mil participantes de todo o país debateram sobre os rumos de sua organização:manter-se-iam organizadas enquanto um Grupo de Trabalho (GT) ou criariam um movimento de mulheres, afirmando-se como movimento popular e articulado à nova central? Venceu a segunda proposta.

Na plenária final deste I Encontro foi aprovada uma pauta ampla, em grande medida herdeira de históricas bandeiras: trabalho igual salário igual; legalização do aborto; contra a violência sexista, pela construção de mais creches. Tais bandeiras eram acrescentadas aos eixos de luta da própria Conlutas: contra as reformas neoliberais que atingiam as mulheres mais brutalmente, a exemplo da reforma trabalhista que ameaçava o direito à licença maternidade ou ainda a reforma da previdência, que equiparava tempo de contribuição entre homens e mulheres ignorando a dupla e tripla jornada de trabalho(Movimento de Mulheres em Luta, 2008).

Lançado o Movimento Mulheres em Luta, de caráter classista e socialista, ele se constituía como alternativa para as mulheres trabalhadoras, propunha a organização de reuniões de mulheres nos locais de trabalho e a construção das pautas de reivindicação das trabalhadoras, priorizando a auto-organização. O MML se filiou e participou do I Congresso da Conlutas em julho de 2008,buscando garantir, além da incorporação de suas reivindicações, a realização de um novo Encontro. Era fundamental para as militantes do MML disseminar a pauta feminista no interior da Conlutas e manter viva sua organização.

O II Encontro de Mulheres da Conlutas ocorreu em 2010, dois dias antes do CONCLAT (Congresso Nacional da Classe Trabalhadoras)[4]. O contexto deste segundo Encontro era o debate em torno da unificação da CSP Conlutas e da Intersindical para a construção de uma nova central sindical. O MML buscou garantir, no debate sobre a unificação, a participação dos movimentos de luta contra a opressão.  A questão interna, voltada ao tema político organizativo, foi a eleição de uma executiva nacional, cujo papel seria implementar as deliberações dos encontros das mulheres de modo a avançar na organização do movimento.

Com a constituição da nova Central Sindical Popular Conlutas (CSP Conlutas) em 2010, o MML passa a preparar o I Encontro das Mulheres da CSP Conlutas, para 2012, e assume a responsabilidade de organizar as mulheres da central, o que implicava em conquistar as entidades de base, envolvendo mais e mais as trabalhadoras na luta.

Em Carta aprovada durante o I Encontro das Mulheres da CSP Conlutas, o MML afirmava a necessidade de incorporar as demandas das mulheres trabalhadoras como parte da luta e atuação cotidiana do movimento sindical e popular.  As bandeiras do MML eram: aumento geral dos salários;Salário Igual para Trabalho Igual!; garantia de atenção integral à gestante no parto e pré-natal; licença-maternidade de 6 meses sem isenção fiscal, para todas as trabalhadoras e estudantes, rumo a um ano!; reconhecimento do atestado de acompanhamento dos filhos como abono de dias ao trabalho!; creches em tempo integral, gratuitas e de qualidade para todos os filhos da classe trabalhadora!; anticoncepcionais para não abortar, aborto legal, seguro e gratuito para não morrer!; revogação imediata da MP 557/2011, que criminaliza as mulheres!; pela autonomia sobre o próprio corpo, contra a exigência de autorização do marido para realização de “ligadura”; Fim da Violência contra a mulher! Aplicação e Ampliação da Lei Maria da Penha! Punição dos Agressores, construção de casas-abrigo!; cotas raciais nas universidades; criminalização da homofobia; fim da terceirização que afeta principalmente as mulheres; em defesa da previdência pública e das mulheres aposentadas.

O MML também defendia a realização de campanhas que visassem à inclusão das datas históricas das mulheres no calendário da CSP Conlutas, tais como o 8 de março – dia internacional de luta das mulheres trabalhadoras; o 25 de julho – dia latino-americano da mulher negra; o 28 de setembro - dia latino americano de luta pela legalização e descriminalização do aborto; 25 de novembro - dia latino americano de luta contra a violência às mulheres. Ademais, caberia à CSP Conlutas assumir as campanhas “Trabalho Igual, Salário Igual” e  a “Campanha Nacional por Creches”. 

 A ênfase na centralidade político-organizativa da CSP Conlutas, em torno dos  temas relacionados às lutas das mulheres, deve ser entendida como um processo de “politização” das mulheres, mas também dos homens, no interior da própria central. Embora se filie a uma central sindical e popular de esquerda e classista, hegemonizada por sindicatos de setores da educação e saúde - majoritariamente femininos -, o MML entendia que o avanço da pauta das mulheres dependia – e depende - de um processo de politização. Dito de outro modo, a posição de esquerda socialista no espectro sindical de um lado e de central protagonizada por importantes sindicatos majoritariamente femininos, de outro, não era, por si só, garantia de avanço da pauta feminina. 

            Neste sentido, o MML propunha a criação de secretarias de mulheres nos sindicatos, o estabelecimento de cotas para as mulheres nas diretorias das entidades, o desenvolvimento de ações organizativas por local de trabalho e nas CIPAS, a realização de campanhas de sindicalização voltadas às mulheres e de novos encontros de mulheres que deliberassem sobre as pautas relativas à opressão.

Em 2013 o MML realiza o I Encontro Nacional das Mulheres em Luta. Este Encontro contou com duas mil participantes e ocorreu logo após as manifestações de junho. Ao realizar um balanço de sua trajetória, o MML reconhece as conquistas e avanços junto às organizações nos estados, construindo encontros e plenárias regionais e se consolidando como importante instrumento

para avançar o trabalho dos sindicatos em relação à luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras. (...)feito através de campanhas, como a luta por creches, que organizou trabalhadoras em vários locais de trabalho, ao mesmo tempo em que denunciou o atraso no projeto inicial do governo Dilma em construir creches (...)Agora estamos avançando para, junto com as campanhas por creches, avançar numa grande campanha contra a violência às mulheres.[5]

Um dos principais eixos de luta definidos durante o I Encontro Nacional do Movimento de Mulheres em Luta era justamente o incremento da pauta das mulheres nos movimentos e protestos sociais. Deveriam ser organizadas campanhas contra a violência, contra a privatização da Petrobras, pelo fim da terceirização e privatização, contra o PL 4330, lutando para que as terceirizadas tivessem direito iguais aos demais trabalhadores. 

Ademais no âmbito sindical deveriam ser realizadas campanhas salariais, destacando as demandas específicas das mulheres, tais como salário igual, creches integrais nos locais de trabalho, direito à progressão na carreira, contra o assédio moral entre outras pautas. Além destas campanhas o MML deveria fortalecer a luta pela legalização do aborto, participando da Frente Nacional pela Legalização do Aborto, da campanha Fora Feliciano e da aprovação do PL 122, que criminaliza a homofobia; seguir a campanha por creches públicas gratuitas e tempo integral para todos os ramos da classe trabalhadora. 



Patrícia Vieira Trópia, professora adjunta do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia.






 Priscila Souza de Carvalho, mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Uberlândia.




Bibliografia

CARVALHO, P. S. O neoliberalismo confrontado: um estudo sobre as concepções e a experiência da Conlutas na organização da classe trabalhadora. Uberlândia, Monografia de Graduação em Ciências Sociais. Universidade Federal de Uberlândia, 2012, mímeo.

CSP - Conlutas “1° Encontro de Mulheres da CSP-Conlutas reúne mais de 500 pessoas e elege sete delegadas para o Congresso” 27/04/2012. Disponível em: http://cspconlutas.org.br/2012/04/1-encontro-de-mulheres-da-csp-conlutas-reune-mais-de-500-pessoas-e-elege-sete-delegadas-para-o-congresso/#sthash.u4EDhBrP.dpuf. Acessado em 30/09/2014.

GALVÃO, Andréia. TRÓPIA, Patrícia Vieira. A Conlutas em Perspectiva. IN: O sindicalismo na Era Lula: paradoxos, perspectivas e olhares. Roberto Véras de Oliveira, Maria Aparecida Bridi, Marcos Ferraz (orgs.). Belo Horizonte, Fino Traço,  2014, p. 115- 148.

MOVIMENTO DE MULHERES EM LUTA. 1o. Encontro de Mulheres da Conlutas: um passo importante para a luta das mulheres trabalhadoras. 2008. Disponível em http://www.lsr-cit.org/mulheres/30-mulheres/384-1o-encontro-de-mulheres-da-conlutas-um-passo-importante-para-a-luta-das-mulheres-trabalhadoras. Acesso em 03 set. 2014

MOVIMENTO DE MULHERES EM LUTA. 2012. Disponível em: http://mulheresemluta.blogspot.com.br/p/historia-do-mml.html. Acesso em: 03 de set. de 2014.

TRÓPIA, Patrícia Vieira. GALVÃO, Andréia. MARCELINO, Paula. “A reconfiguração do sindicalismo brasileiro nos anos 2000: as bases sociais e o perfil político-ideológico da Conlutas”. Revista Opinião Pública, Campinas, vol. 19, nº 1, p. 81-117, Jun., 2013.



[3]Embora a chegada de Dilma Rousseff ao poder represente uma conquista importante para as mulheres, seu governo deixava, na avaliação do MML, a desejar por não ter vetado a lei que exigia a aplicação de multa às empresas que pagassem salários inferiores às mulheres que exercessem a mesma função dos homens.
[4]Vale destacar que durante o CONCLAT a unificação se deu de forma parcial com a retirada do principal setor da articulação, a Intersindical. Porém o processo de unificação se manteve, outras entidades aderiram, incluindo o MML.
[5] Disponível em: <http://mulheresemluta.blogspot.com.br/p/boletins-eletronicos.html>. Acessado em: 03 Ago. 2014.

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