A luta contra o assédio no metrô é parte da luta
pela qualidade no transporte, pelo passe-livre, pela estatização do transporte
público. Estamos falando do direito das mulheres irem e virem e ocuparem todos
os espaços da cidade, não somente os vagões. O tema é polêmico afinal, estamos
falando dos direitos das mulheres e muitos anos de lutas para assegurá-los. Mas
o central na discussão sobre políticas protetivas para mulheres nos transportes
públicos é entender a realidade concreta enfrentada pelas mulheres e o desafio
de pensar formas para combater a violência que todos os dias milhares de trabalhadoras
sofrem para se deslocar pelas cidades.
O cenário de violência contra as
mulheres é de barbárie em todo o mundo e no Brasil não é diferente. No nosso
país a cada 10 segundos uma mulher é estuprada, a cada 2 minutos cinco mulheres
são espancadas e diariamente 15 mulheres são assassinadas. O Brasil ocupa o 7°
lugar, num total de 84 países com os maiores índices de assassinato de
mulheres (Mapa da Violência, 2012). E as principais vítimas da
violência machista são negras, a cruel combinação do racismo com o machismo faz
com que esse fardo seja ainda mais duro e doloroso. E a classe trabalhadora tem
cor, é na sua grande maioria negra.
Apesar da maior parte dos casos se darem
em ambiente privado, a violência contra a mulher também é uma realidade no
transporte público. Quase a metade das paulistanas entrevistadas em pesquisa do
Data-Folha [1] (49%) declararam já ter
sofrido assédio sexual em ônibus, trens e metros. O machismo é a principal
causa, mas a ação dos agressores é facilitada pela superlotação. Diante do
sufoco e da falta de espaço para se proteger, aumenta o risco de qualquer
usuária se tornar uma vítima. Olhando para a questão do assédio nos transportes
públicos a nível internacional podemos perceber que esse não é um problema
exclusivo do nosso país, mas sim uma terrível realidade enfrentada por bilhões
de mulheres em todo o mundo.
No México a violência sexual contra as
mulheres é um problema muito sério. Só na capital do país, na Cidade do México,
segundo dados oficiais, 65% das mulheres foram vítimas de alguma forma de
violência no transporte público ou em estações, terminais e plataformas. Desde
2008, a Cidade do México tem vagões exclusivos e ônibus exclusivos para
mulheres. Esta
medida foi tomada por causa das altas taxas de agressões sexuais no transporte
público.
Índia |
Japão |
No Egito o assédio sexual é um dos problemas mais graves
enfrentados pelas mulheres. Um estudo de 2013 da ONU indica a magnitude do
problema. No Egito, 99% das mulheres adultas declaram já ter sofrido assédio
sexual, e outras 50% o enfrentam
diariamente. É um dado tão assustador que faz com que tenhamos dificuldade de acreditar na sua veracidade. Outros dados afirmam que 82% das egípcias não se sentem seguras nas ruas e que 43% afirmem que tentam não sair de casa. Um estudo realizado pelo Centro Egípcio pelos Direitos da Mulher entrevistou 1.082 mulheres egípcias e estrangeiras que vivem no país e concluiu que o tipo mais comum de assédio relatado é o contato físico impróprio (sofrido por 40% das entrevistadas), seguido de assédio verbal (38%). A pesquisa mostra que 38,9% dos casos de assédio ocorrem na rua, 37,8% em locais públicos em geral e 12,8% no transporte público. Cerca de um terço das mulheres no Egito é vítima de assédio sexual diariamente. Essa realidade é retratada no filme “Cairo 678” de Mohamed Diab, lançado em 2012. Lá existem vagões exclusivos para mulheres, como medida que tem o objetivo de diminuir esses índices repugnantes de assédio.
Egito |
diariamente. É um dado tão assustador que faz com que tenhamos dificuldade de acreditar na sua veracidade. Outros dados afirmam que 82% das egípcias não se sentem seguras nas ruas e que 43% afirmem que tentam não sair de casa. Um estudo realizado pelo Centro Egípcio pelos Direitos da Mulher entrevistou 1.082 mulheres egípcias e estrangeiras que vivem no país e concluiu que o tipo mais comum de assédio relatado é o contato físico impróprio (sofrido por 40% das entrevistadas), seguido de assédio verbal (38%). A pesquisa mostra que 38,9% dos casos de assédio ocorrem na rua, 37,8% em locais públicos em geral e 12,8% no transporte público. Cerca de um terço das mulheres no Egito é vítima de assédio sexual diariamente. Essa realidade é retratada no filme “Cairo 678” de Mohamed Diab, lançado em 2012. Lá existem vagões exclusivos para mulheres, como medida que tem o objetivo de diminuir esses índices repugnantes de assédio.
Tailândia |
Quem segrega é o machismo, não o vagão!
Aqui no Brasil a reivindicação de
vagões exclusivos é fruto de um longo debate no movimento feminista. O MML defende
o vagão exclusivo nos horários de pico como uma medida excepcional, necessária
e protetiva, que deve vir acompanhada de um programa mais amplo de combate à
violência à mulher. Essa foi uma posição deliberada junto a 2.000 mulheres
trabalhadoras, no I Encontro Nacional do MML, realizado em outubro de 2013 em Minas Gerais.
As organizações que são contra a medida
do vagão dizem que ele segrega as mulheres. Na prática a violência machista já
nos segrega. Amedronta-nos ao sair de casa, nos faz temer usar determinadas
roupas, nos desmoraliza e fragiliza. É o machismo que nos culpabiliza pela
violência que sofremos e nos afasta dos espaços políticos. Não podemos tomar
uma medida protetiva para as mulheres como segregação. Isso é um erro pois não
se trata de um regime de exceção e divisão da sociedade entre homens e
mulheres. A nossa sociedade é bastante dividida pela exploração e pelo
machismo. O Vagão, nos moldes como
defendemos, sendo opcional e proporcional à quantidade de usuárias, não faz dos
demais vagões um espaço que elas não poderiam acessar, pelo contrário, proíbe
os homens de usar o vagão feminino. Ou
seja, as mulheres podem ir a todos os vagões, quem estão restritos são os
homens. E essa separação momentânea, nos horários de pico, pode escancarar que
há um problema de machismo e assédio no metrô e ser ponto de apoio para que o
tema da violência ganhe visibilidade na sociedade e para avançar na
conscientização. A maioria da população infelizmente ou não sabe o que é
machismo ou acha que é coisa do passado que não existe mais. E isso faz com que
a realidade da opressão seja um inferno invisível. Reconhecer que existe a
opressão e que somos oprimidas é o primeiro passo para atacar esse problema.
Os Vagões Exclusivos são uma pequena
parte de nosso programa para a violência contra a mulher, trata-se de uma
medida excepcional para uma situação excepcional, que não resolve o problema e
a luta não deve parar por aí. Isso não nega que ele seja um mecanismo para tentar
amenizar as vítimas de todo o tipo de assédio e demais violências no caminho ao
trabalho. E a grande maioria dessas mulheres que são vítimas desse tipo de
violência sistemática e diária são mulheres trabalhadoras, negras, lgbt’s e
moradoras das periferias. São elas que são encoxadas, alvo de ejaculação, humilhadas e desmoralizadas. A violência que as mulheres
sofrem são como um bombardeio que fragiliza e destrói. É uma situação muito
grave, não podemos fechar os olhos para isso. Nenhuma mulher merece passar por
situações como essa. Chega, queremos mudanças já!
Parte da preocupação sobre vagões
exclusivos refere-se às mulheres trans. Nós do MML estamos em defesa das
Mulheres, sejam elas trans ou cis. Para nós, mulheres trans são mulheres, esse
é o nosso entendimento e programa por isso que inclusive reivindicamos sua
participação nos espaços auto organizados do movimento feminista. Defendemos
que elas possam estar onde queiram sem que sofram absolutamente nenhuma
agressão. Para nós qualquer mulher, seja trans ou cis, deve ter
assegurado o seu direito de estar onde bem desejar sem ser importunada por
ninguém! Defendemos que usem o vagão exclusivo caso queiram porque são
mulheres. A transfobia existe na nossa sociedade e é muito importante toda a
preocupação manifestada por várias ativistas, é fruto de muita luta travada por
estas mulheres pela visibilidade e pelo reconhecimento. Mas é preciso localizar
que a transfobia não é ocasionada pela existência do vagão e é fundamental
elaborar políticas e medidas para avançar cada vez mais na luta contra essa
opressão.
Projeto de Lei Estadual n. 175/2013: uma resposta limitada às lutas
das mulheres!
Não foram poucas as denúncias e as
lutas travadas contra o assédio no metrô. A ação do Sindicato dos
Metroviários de SP, em 2011, derrotou o quadro do programa Zorra Total que
estimulava o assédio sexual nos vagões, mas o metrô não fez nada. Ao contrário,
a empresa e o Governo de São Paulo veicularam na rádio
“Transamérica”, propagada de conteúdo altamente machista, em que dizia que
metrô lotado era bom pra “xavecar” a mulherada [3]. Uma das respostas mais contundentes a isso foi a
campanha do MML “Não Me Encoxa Que Eu Não Te Furo”. Ao entregar alfinetes para
as mulheres nos metrôs de São Paulo [4], o movimento denunciou a insegurança das mulheres
em usar o metrô paulista e a completa ausência de políticas de proteção. Houve
também apitaços e rolezinhos promovidos por outros grupos, só então, após todas
essas manifestações, finalmente, o metrô afixou cartazes nos trens e nas
estações contra o assédio. E essa campanha feita pelo metrô ainda é
insuficiente e pouco incisiva.
Em julho de 2014, os deputados de São Paulo aprovaram
o Projeto de Lei Estadual n. 175/2013 [5], que obrigaria a CPTM e o Metrô designarem o mínimo de um vagão
exclusivo para as mulheres em alguns horários e dias da semana. No dia 12 de
agosto de 2014 o governador Geraldo Alckmin vetou a aprovação do PL. O Projeto de Lei não
se tratava de uma concessão ou uma
benevolência dos deputados, mas sim uma resposta ao intenso processo de luta e
mobilização das mulheres trabalhadoras ao longo desses anos contra a violência
machista e toda a repercussão que teve a pesquisa do IPEA. Mesmo sendo uma
resposta desses senhores para a nossa luta, o projeto era completamente insuficiente
e limitado, estipulando um vagão exclusivo obrigatório quando nós somos a
maioria dos usuários (58%). Por outro
lado temos o veto do Alckmin que fez o que sempre faz para melhorar a vida das
mulheres: nada. Alckmin vetou o projeto de Lei não por achar que era segregação
ou algo que representasse um retrocesso nos direitos das mulheres. Vetou porque
não tem nenhum interesse em combater a violência sexual que as trabalhadoras
enfrentam todos os dias. Vetou e até hoje não apresentou absolutamente nada
para minimizar a nossa dor.
Nenhuma confiança nestes senhores, pois
além de serem estes os responsáveis por diversas violências que sofremos como a
falta de creches, hospitais, moradia e igualdade salarial, também sabemos que
nem os deputados da Alesp e nem o Alckmin estão do lado das mulheres. Não
podemos ter nenhuma ilusão de que eles estão do lado dos oprimidos.
Só vagões não bastam! Exigimos a ampliação da malha, aplicação de 2% do PIB,
estatização do transporte e fim do machismo!
Há muito tempo, o Sindicato dos
Metroviários de São Paulo, realiza atos nos dias 8 de março e 25 de novembro, na estação Sé,
para cobrar medidas dos governos Alckmin e Dilma frente aos vergonhosos
casos de assédio no metrô. Uma iniciativa importantíssima! Mas o machismo é uma ideologia muito forte e
arraigada. Nossa luta deve ser
incansável, pois para exterminar o machismo é preciso mudar radicalmente a
sociedade. No entanto não é uma luta para o futuro e também apenas de ideias, é
uma luta que precisa de medidas concretas em dois âmbitos: uma resposta
emergencial para garantir minimamente a integridade das mulheres e medidas
estruturais para avançar em soluções efetivas.
É obrigação dos governos darem uma
resposta! Por se tratar de uma questão que envolve a violência contra as
mulheres é que precisamos de forte investimento em infra estrutura e de medidas
imediatas de proteção, pois aqui se trata de preservar a integridade física e
psicológica das mulheres. E isso é responsabilidade dos governos. E por se
tratar de uma medida protetiva, urgente e paliativa, cheia de limitações, é que
dizemos que ela não substitui a necessidade de se lutar por uma educação que
não seja machista, que ensine os homens desde pequenos que as mulheres não são
sua propriedade. Por isso que nós lutamos por uma sociedade onde nada
disso seja mais necessário, uma sociedade sem exploração e opressão.
Um programa para o fim da violência contra as mulheres no transporte[2] deve incorporar, portanto, a criação de vagões exclusivos para mulheres nos horários de pico e proporcional ao número de usuárias, como uma medida protetiva, emergencial, mas assédio e a violência à mulher não se combatem apenas estabelecendo áreas de menor exposição, é preciso medidas que criem condições para que o vagão exclusivo com o passar do tempo, não sejam mais necessário. Nesse sentido, além dos vagões, deve haver punição rigorosa aos agressores, campanha de conscientização contra o assédio no transporte público, sob responsabilidade dos governos federal estadual e municipal, melhores condições de trabalho para motoristas, cobradores, metroviários e ferroviários, bem como, a necessidade de estatização dos transportes e investimento de 2% do PIB no transporte público. Só isso poderia acabar com a superlotação, para que as mulheres possam ter seu espaço respeitado no trem, catraca livre para que elas possam ir a todos os lugares, e melhores condições de segurança para andar e lutar. É esse o programa que nós defendemos.
E para que as campanhas de fato sejam
implementadas o governo federal tem que aumentar o investimento no combate à
violência pois atualmente só é investido o,26 centavos por mulher ao ano e essa
quantia é completamente insuficiente. Para que os agressores sejam punidos a
Lei Maria da Penha esta precisa ser ampliada e aplicada de fato, pois a
realidade hoje é a falta de recursos. Os governos precisam tratar esse problema
como prioridade e não é isso que estamos vendo. A vida das mulheres não tem
sido a prioridade de nenhum deles.
É preciso atacar o âmago do problema mas sem deixar
de entender que mudanças a fundo levam tempo, e as mulheres não podem mais
esperar! Para combater a violência é necessário mudar
a vida concreta das mulheres. E também sabemos que somente com a organização e
mobilização das mulheres junto com os homens da classe trabalhadora é que
conseguiremos as mudanças que queremos. É por tudo isso que lutamos.
Só
vagão não basta! Exigimos o fim da superlotação.
Catraca
livre para garantir a liberdade de ir e vi,
Estatização
do sistema de transporte para não precisar de vagão exclusivo!
Letícia Pinho – Estudante de Ciências Sociais
da USP e da Executiva Nacional da ANEL e
Executiva Nacional do Movimento Mulheres em Luta.
Referências:
[1] Ver matéria no
site: http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2014/04/1440470-duas-em-cada-tres-paulistanas-dizem-ja-ter-sido-vitimas-de-assedio-sexual.shtml
[2] Essa e outras
resoluções podem ser acessadas na íntegra no site:
http://issuu.com/mmlpublica/docs/resolu____es_do_encontro_do_mml
[3] O MML denunciou esse caso através da nota “CHEGA DE ASSÉDIO SEXUAL NO TRANSPORTE LOTADO!”, lançada
no dia 3 de abril de 2014. Mais informações no link:
http://mulheresemluta.blogspot.com.br/2014/04/chega-de-assedio-sexual-no-transporte.html
[4] Mais
informações sobre a campanha “Não me encoxa que eu não te furo!” No link:
http://www.mulheresemluta.blogspot.com.br/2014/04/alfinetada-no-governo-do-estado-faz-com.html
[5] Ver projeto de
lei na íntegra no site: http://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1123031
Fontes
e referências internacionais:
- Medida hecha para proteger a las mujeres es bien
recibida. Bogotá | 10/12/14http://diarioadn.co/bogot%C3%A1/mi-ciudad/vagones-exclusivos-en-transmilenio-1.136104
- Entra en funcionamiento un autobús
solo para mujeres en Guatemala - 15 junio, 2011
- Tailandia:
Estrenan vagones de tren solo para mujeres
- Vagones en el
Metro para mujeres: mira qué países ocupan esta modalidad
- Tailandia:
Estrenan vagones de tren solo para mujeres: article.wn.com/view/2014/08/04/Tailandia_Estrenan_vagones_de_tren_solo_para_mujeres/
- Luta contra um
escândalo nacional - Cairo - 18/08/2014
- 06h:
- UN VAGON QUE LLEVA
A LA POLEMICA - Viernes,
19 de marzo de 2010: http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/las12/13-5589-2010-03-19.html
- Existen vagones
"solo para mujeres" en los trenes de Japón y la India para evitar las
manoseadas de los hombres: http://www.curiosidadsq.com/2013/03/Vagones-solo-para-mujeres-JP-IN.html
- Projeto vagão
china: http://www.eluniversal.com.mx/notas/595796.html
- VIAJE POR EL
VAGÓN ROSA: CINCO PAÍSES CON TRANSPORTE SOLO PARA MUJERES:
-Vagão feminino do
metrô dá segurança, mas não resolve o machismo: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-04/vagao-feminino-do-metro-da-seguranca-mas-e-resolve-o-machismo
http://www.minutodigital.com/2011/06/15/entra-en-funcionamiento-un-autobus-solo-para-mujeres-en-guatemala/
- Balance positivo
de vagón preferencial para mujeres en Transmilenio
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